� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Marketing de guerrilha
A hist�ria � t�o bem planejada que at� parece fic��o. Infelizmente � a realidade. O rec�m-lan�ado livro "A F�nix Islamista", de Loretta Napoleoni (Editora Bertrand Brasil), mostra um pouco da estrat�gia da organiza��o terrorista que controla parte da S�ria e do Iraque, autointitulada "Estado Isl�mico" na tentativa de buscar alguma legitimidade para seus atos criminosos.
Sua campanha de genoc�dio religioso e proselitismo agressivo � baseada no Salafismo, doutrina que prega a total rejei��o da influ�ncia e dos valores ocidentais. Sua proposta � o reestabelecimento do "Califado", nome dado aos Estados isl�micos encabe�ados por l�deres religiosos e pol�ticos que alegam ser sucessores do Profeta Maom�.
O �ltimo desses imp�rios foi o Califado Otomano, dissolvido em 1924. Sua restaura��o � um sonho de saudosistas radicais desde a d�cada de 1950.
Apesar de suas abordagens medievais com rela��o �s leis e ao controle social, n�o se pode dizer que sua organiza��o seja retr�grada. Ao contr�rio das restri��es do Taleban a escolas cor�nicas e aos conhecimentos com base nos escritos do Profeta, esse novo movimento se apoia em uma tecnologia e uma organiza��o extremamente modernas. � isso que d� a eles seu gigantesco poder.
� a compreens�o das novas for�as contempor�neas, aliada a um gigantesco pragmatismo que distinguem esta organiza��o dos outros grupos armados que a precederam. A come�ar por sua fonte de renda. Ao cooperar com os l�deres locais, em vez de trat�-los como s�ditos de territ�rios conquistados, o grupo busca estabelecer alian�as com tribos sunitas para garantir sua legitimidade, explorar campos de petr�leo, rotas de contrabando e usinas el�tricas. Trabalhando juntos, eles organizaram a extra��o e a distribui��o de recursos, parte deles vendida de volta para o governo s�rio.
Mas a sua maior fa�anha est� na manipula��o da m�dia. Uma conclus�o �bvia, que, surpreendentemente, a Al Qaeda n�o parece ter compreendido, � que o medo � arma muito mais potente do que a prega��o religiosa. Os terroristas da S�ria n�o s�o mais violentos ou b�rbaros do que os milicianos da B�snia, Som�lia ou Chech�nia, mas usam a tecnologia com maestria para divulgar a sua causa.
A viol�ncia sempre vendeu jornal. Mas em um mundo sobrecarregado de informa��o, uma imagem precisa ser cada vez mais chocante para chamar a aten��o. Conscientes disso, os criminosos documentam suas atrocidades em formatos de f�cil compartilhamento, facilmente vis�veis em telefones m�veis. Em uma sociedade voyeur, banal e apelativa, o sadismo se tornou espet�culo.
Enquanto o Taleban desprezava a tecnologia, esses novos bandidos tomam posse dela. Seu aparelho de propaganda ideol�gica � uma opera��o de alta tecnologia, executada por profissionais qualificados, incluindo publicit�rios mercen�rios importados do Ocidente. Com a ajuda de m�dias sociais, eles buscam apresentar uma imagem pol�tica contempor�nea, em n�tido contraste com as democracias ocidentais decadentes e o mau funcionamento dos regimes autorit�rios da regi�o.
Mostrando uma clara compreens�o de an�lise de comunica��o sofisticadas, eles apelam para a for�a das m�dias sociais para espalhar profecias assustadoras, compreendendo a tend�ncia a agir de forma irracional quando se lida com quest�es apavorantes como o terrorismo.
O aparelho ideol�gico � r�pido em circular boatos e aumentar os feitos de seu poder, o que � muito pr�tico para recrutar volunt�rios, levantar contribui��es e promover miss�es de treinamento. Entre seus "cases" de sucesso, dignos de le�es de m�dia em Cannes, est�o a falsifica��o de milh�es de links durante a Copa na esperan�a de mostrar v�deos de militantes brit�nicos tentando persuadir outros fi�is a se juntar � luta e um aplicativo do Twitter chamado "Dawn", promovido por celebridades do grupo para garantir a divulga��o de not�cias fresquinhas.
Para muitos de seus devotos, o objetivo principal do grupo � ser para os mu�ulmanos sunitas o que Israel � para os judeus: um estado em sua antiga terra, capaz de proteg�-los aonde estiverem. Por mais que a compara��o seja primitiva e repulsiva, ela n�o deixa de ser uma forte mensagem para cidad�os marginalizados no v�cuo pol�tico dos Estados �rabes modernos depois de d�cadas de san��es, guerras e corrup��o. A mensagem tamb�m � poderosa para jovens mu�ulmanos marginalizados em pa�ses desenvolvidos do ocidente, em sociedades que lhes negam oportunidades.
Soldados rasos do grupo ganham pouco, menos do que um ter�o do sal�rio de um pedreiro iraquiano. Mas isso n�o impede a luta de pobres iludidos que sonham experimentar o Califado nesta vida, mais tang�vel do que as m�ticas virgens no para�so. Para muitos ocidentais, juntar-se � jihad � uma esp�cie de acampamento militar de ver�o, uma fuga do playground pl�stico da virtualidade e da monotonia contempor�nea. A tentativa falida de um grupo de australianos em sequestrar e decapitar um indiv�duo aleat�rio, simplesmente para registrar a sua execu��o na Internet, mostra a for�a da sociedade do videogame, em que nada parece real.
A principal vantagem desse grupo com rela��o � Primavera �rabe e sua revolta de smartphones � uma gest�o profissional, ao mesmo tempo capaz de explorar a intera��o e a participa��o contempor�neas, ao mesmo tempo que planeja rumos e objetivos pragm�ticos de longo prazo. Na guerra moderna, alian�as nunca s�o claras e mudam o tempo todo. Seu sucesso brota da converg�ncia de v�rios fatores, entre eles a compreens�o das novas for�as em um ambiente multipolar, uma boa compreens�o da psicologia popular e sua aplica��o na realidade econ�mica.
� surpreendente, mas n�o dever�amos estar surpresos. Na luta contra guerrilheiros, a principal arma � a informa��o. A melhor pol�tica, a compreens�o. Nesse conflito que � primeira vista parece estar motivado pela religi�o, mas que na verdade camufla interesses pol�ticos e econ�micos na luta de poder para controlar a regi�o, os motivos est�o claros. Pena que poucos consigam v�-los.
Existe sa�da? Sim, mas ela envolve educa��o, conhecimento e compreens�o do ambiente complexo em que se vive, em que absolutos deram lugar a uma realidade sutil, que demanda interpreta��o e consenso e respeito �s institui��es. Pena que os guerreiros do smartphone, os bandidos das mil�cias e os manifestantes de camisetas de todas as cores ainda n�o conseguem entend�-la.
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