� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Tudo que � s�lido desmancha no ar
H� uma certa melancolia, um triste abandono em cada pr�dio centen�rio. Esteja ocupado, transformado em loja, restaurado, abandonado ou destru�do, cada um deixa evidente a decad�ncia newtoniana de uma constru��o que, grandiosa em seu concreto, estava destinada a retornar ao p�.
Da mesma forma, a vida contempor�nea muitas vezes parece � deriva no meio da implos�o dos pilares conhecidos. Cada nova descoberta cient�fica, revolu��o industrial, transforma��o demogr�fica e impacto ambiental questiona o que se tinha como certo e abre caminho para Utopias que nunca se concretizam.
"Todas as rela��es fixas e congeladas, com seu rastro de preconceitos e opini�es, ancestrais e vener�veis, s�o varridas. Novas rela��es ficam obsoletas antes de se solidificarem. Tudo o que � s�lido se desmancha no ar. Tudo o que � sagrado � profanado. Todos precisam encarar com serenidade sua posi��o social e rela��es rec�procas."
O trecho acima poderia sintetizar o mundo de Facebook e Google se n�o tivesse sido escrito h� mais de 150 anos. Trecho do famoso Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, ele se refere a um tempo parecido, em que a expans�o social demandava uma revolu��o constante, ao mesmo tempo destruindo e criando novas for�as pelo caminho.
Marx e Engels n�o viveram para ver que sua proposta de transforma��o din�mica inviabilizaria o ideal comunista que sonharam. Em 1982, o fil�sofo americano Marshall Berman revisitou o texto ao perceber a contradi��o impl�cita entre a liberdade individual e a estabilidade social, e usou a frase que abre esta coluna como t�tulo de um livro para falar das consequ�ncias da moderniza��o. Para ele o indiv�duo contempor�neo estaria destinado a viver em uma tens�o perp�tua entre desenvolvimento e decad�ncia.
O texto de Berman � bastante v�lido em uma �poca que unifica o planeta no turbilh�o de ambiguidade e renova��o, crise e renova��o. Em culturas t�o distintas como as de Uganda e Tail�ndia, Brasil e Pol�nia, pessoas de v�rias origens, ideologias e camadas sociais se veem presas a um ambiente que promete aventura, poder, divertimento, crescimento e transforma��o, ao mesmo tempo que amea�a destruir tudo o que se tem, o que se sabe, o que se �.
Sem refer�ncias s�lidas, a sensa��o natural � de uma profunda desorienta��o e inseguran�a, frustra��o e desespero, insepar�vel do enorme poder trazido pelas novas tecnologias. O mundo � simultaneamente melhor e pior do que j� foi um dia. Como a vida adulta, ele � t�o inevit�vel quanto prec�rio, marcado por agita��es e turbul�ncias, expans�es e decad�ncias.
Parte do desconforto vem de uma ideologia competitiva e individualista, que refor�a e celebra o isolamento social. Elites patrimoniais e corporativas foram higienizadas, popularizando ideais de autoajuda em um hedonismo calculado e bem adaptado �s demandas corporativas. O resultado � um cultura narcisista, depressiva e, em �ltima inst�ncia, solit�ria.
Incentiva-se o aumento de conex�o sem intera��o f�sica, o que cria uma nova forma de solid�o. A mesma tela que conecta se transforma em barreira, como se o fato de estar mais perto dos outros tenha tornado todos antissociais. Freud, contempor�neo de Marx, chamaria isso de "dilema do ouri�o". Como ouri�os no inverno, as pessoas precisam estar pr�ximas para combater o frio, mas n�o podem chegar muito perto para n�o se ferirem com os espinhos dos outros.
Na tentativa de registrar essa transforma��o, movimentos art�sticos t�o diversos como Surrealismo, Cubismo, Futurismo, Construtivismo e outros "ismos" tentaram separar as t�cnicas e artefatos das rela��es sociais que os geravam e consumiam, transformando as pessoas em sujeitos e objetos da moderniza��o. Seu retrato � de um indiv�duo ao mesmo tempo maravilhado e impotente diante de tamanha capacidade.
Da mesma forma que uma marcha a r� ajuda o carro a sair de um beco, olhar para o passado pode ser uma boa maneira de progredir. Relembrar os manifestos dos modernismos do in�cio do s�culo 20 pode contribuir com uma vis�o e coragem para criar novos manifestos. Amadurecidos pelas mudan�as, eles podem inspirar uma renova��o necess�ria para enfrentar as aventuras e perigos que se avizinham. Sem os aprendizados do passado n�o h� perspectiva de futuro. Tudo o que sobra � um presente cont�nuo.
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