� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Por que t�o s�rio?
Uma esp�cie de masoquismo permeia os valores contempor�neos. Tudo � muito s�rio, muito dram�tico. Pouco importam as conquistas da Ci�ncia, o mundo parece ter se transformado em uma rede global de problemas e injusti�as, cuja solu��o est� sempre em outra �poca ou lugar.
Um cotidiano t�o pesado demandaria uma reflex�o para n�o matar todo mundo de estresse. Infelizmente n�o h� tempo para isso, todos est�o ocupados demais, planejando e mensurando cada minuto para que n�o sejam perdidos.
No mundo quantificado e computado, o tempo livre est� em risco de extin��o, restrito desde a escola a hor�rios predeterminados, cada vez menores. Quando se chega � vida adulta, ele acaba espremido entre os compromissos pessoais e profissionais ou sufocado pelas timelines e s�ries no Netflix. Em uma sociedade que supervaloriza o trabalho e a compara��o, a �nica divers�o permitida � a competitiva. E o importante � venc�-la.
O ato de brincar sem compromisso �, no entanto, parte fundamental do comportamento humano. Camuflado sob a forma de arte, livros, filmes, m�sica, com�dia e flerte, ele � t�o natural quanto contar hist�rias, ouvir ou fazer m�sica.
� dif�cil justificar a import�ncia de uma brincadeira, j� que ela normalmente consome tempo, gasta energia, pode custar um bom dinheiro e ser perigosa. Uma coisa � certa: ela deve trazer benef�cios evolutivos, sen�o provavelmente j� teria sido extinta.
Ao contr�rio do que defendem os chatos, brincar n�o significa necessariamente uma fuga da realidade. Uma boa brincadeira pode servir como uma esp�cie de medita��o, ajudando seus participantes a refletir, descomprimir e se conectar de forma mais �ntima com o mundo que os rodeia, explorando sensa��es de risco e poder em um ambiente protegido.
Por mais que os mais velhos se enfure�am com a mania dos novos em querer transformar tudo em jogo, a tend�ncia � inevit�vel. Jogos e brincadeiras s�o t�o importantes para o s�culo 21 quanto a voz e a imagem o foram para o s�culo precedente.
Na Idade M�dia o cinema, o r�dio e a TV levaram a fic��o e o jornalismo para uma audi�ncia passiva e impressionada. Hoje o mundo digital permite ao ex-p�blico que se transforme em usu�rio, ativo na manipula��o e recombina��o da hist�ria. Mesmo quando a not�cia vem pronta, o jogo � outro, e consiste em verificar a fonte e os argumentos. Sua din�mica est� por tr�s de boa parte do bal� entre o produtor e o (re)transmissor de conte�do.
O sucesso de redes como Twitter ou Facebook vem, em parte, de serem um tipo de jogo social, em que cada membro cuida de seu perfil e relacionamentos, buscando aprimor�-los de acordo com seus interesses, livre para fazer o que quiser dentro das regras da comunidade. � da� que surgem divertidos imprevistos como retweets, hashtags, memes e selfies.
Cada pessoa leva no bolso um aparelho que � uma mistura de ferramenta com brinquedo. Muitos ainda s�o sistemas bloqueados, que impedem seus usu�rios de uma explora��o mais profunda. O sucesso de comunidades de hackers e makers e a popularidade de ambientes como o "Minecraft" deixam claro o interesse por novos territ�rios a explorar.
� medida que a vida contempor�nea est� cada vez mais envolvida com sistemas complexos de informa��o e intera��o, as fronteiras entre trabalho e divers�o e conceitos sobre o que constitui um jogo est�o mudando.
Uma prova disso est� no sucesso da abordagem experimental de empresas como Apple e Pixar, ou no de CEOs de empresas disruptivas, como Google e Amazon, crescidos em escolas Montessorianas, que valorizam as atividades l�dicas.
Mas para tirar o m�ximo partido de uma atividade l�dica, � preciso se deixar entregar ao ambiente, suspendendo momentaneamente a obsess�o com a produtividade, o rel�gio e os resultados. Este �, surpreendentemente, o maior desafio. A vida das crian�as est� cada dia mais atarefada, preenchida com tantas atividades que praticamente n�o sobra tempo para que se envolvam em processos de autodescoberta. Em sua agenda n�o falta a��o, mas inten��o. A brincadeira n�o obedece essa m�trica. Para ela o que vale n�o � o fim, mas o caminho.
J� estava na hora. � insano que a maioria dos profissionais contempor�neos esteja infeliz com o trabalho. Quando n�o h� tempo para integrar momentos l�dicos na atividade produtiva, o que resta � uma vida sem alegria nem criatividade. Como se diz por a�, o oposto da brincadeira n�o � o trabalho, mas a depress�o.
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