� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Reinventando a not�cia
O Snapchat, aplicativo de troca de mensagens em v�deo que se autodestroem em dez segundos, nunca foi levado muito a s�rio pelos adultos. Muitos adoram retrat�-lo como um ambiente perigoso, atrav�s do qual adolescentes tiram fotos nuas e as compartilham - pr�tica chamada de "sexting".
Apesar das caretas dos pais, entre a molecada o aplicativo � um sucesso. A empresa n�o divulga dados, mas estima-se que sua rede troque mais de 700 milh�es de fotos por dia, ou cerca de mais de dez vezes o volume do Instagram.
O aplicativo � mais inteligente do que parece. Seu grande sucesso est� na proposta de reinventar a chamada telef�nica no mundo da comunica��o m�vel. Para seus usu�rios o que vale � o imediatismo. O aplicativo abre na c�mara e limita a capacidade de subir fotos. O que se v� � o que acontece na hora. O conte�do pode ser visto por 10 segundos, depois � automaticamente apagado.
O servi�o � intuitivo, pessoal, privativo e f�cil de usar. Ao combinar texto, imagens, v�deo e desenhos, � extremamente multim�dia. Acima de tudo, � informal. Muito menos burocr�tico do que um e-mail ou at� mesmo do que o Skype, em que � comum marcar e esperar por liga��es.
Depois de muitos testes de formato, o Snapchat resolveu se aventurar na �rea de produ��o de conte�do. Seu novo servi�o, chamado "Discover", � ao mesmo tempo novo e familiar. Mistura de portal web com revista digital, ele disponibiliza uma s�ria de "canais" para folhear e, caso haja interesse, ler ou ver o conte�do sem deixar a rede social.
As not�cias s�o fornecidas por jornais, revistas e canais de TV consolidados, como MTV, CNN e National Geographic. Cada mat�ria � formatada especialmente para dispositivos m�veis e diagramada verticalmente para o telefone.
O resultado � bem flex�vel. Yahoo news, um dos parceiros, tem as not�cias apresentadas por um �ncora, como em telejornal. O Daily Mail copia os textos de seu portal. A revista Vice apresenta mini document�rios em v�deo. National Geographic tem testes de conhecimentos. O canal do Snapchat tem um pouco de cada. Seu objetivo � replicar, em not�cias, um ambiente gr�fico que as pessoas j� est�o habituadas a ver nas mensagens de amigos.
As not�cias s�o atualizadas diariamente, n�o h� arquivos nem qualquer op��o de compartilhamento. Quem n�o viu, perdeu. � um conte�do perfeito para quem n�o tem muita aten��o dispon�vel - seja porque est� fazendo tr�s ou mais coisas ao mesmo tempo ou porque esteja em tr�nsito. De qualquer forma, h� um pouco de tudo para todos.
N�o � o primeiro exerc�cio na �rea e est� longe de ser perfeito. Canais t�o diferentes quanto BuzzFeed e Wall Street Journal j� experimentaram, sem sucesso, distribuir conte�do em aplicativos de mensagens como Viber e WhatsApp. A proposta do Snapchat � mais abrangente e male�vel, mas ter� que enfrentar uma quest�o importante: ser� que uma gera��o habituada a compartilhar conte�do confiar� em canais tradicionais como CNN ou Cosmopolitan para distribuir not�cias? � uma aposta consider�vel.
A m�dia social hoje funciona como um sistema de filtro que permite aos usu�rios buscar conte�dos em fontes de informa��o e compartilh�-los com os amigos. Esse processo acaba por determinar que se leia o que � mais recente ou mais popular. A abrang�ncia de temas � limitada pela variedade e pela extens�o da rede, sem contar as restri��es impostas por algoritmos de publica��o, dispostos a mostrar o que tenda a ser clicado. O resultado � repetitivo e alienante.
O Snapchat Discover, mesmo que n�o seja um sucesso, pode mostrar novos caminhos para a gera��o de conte�do editorial ao levantar quest�es at� recentemente pouco discutidas pela Imprensa. Como o comportamento dos usu�rios muda de acordo com o aparelho em que o conte�do � recebido? Qual o papel da busca na sele��o editorial? Aplicativos de not�cias funcionam? Dispositivos m�veis amplificam ou substituem o consumo de m�dia?
� muito mais f�cil reclamar das novas gera��es do que perceber que o cen�rio mudou. A ascens�o das m�dias sociais levou a um decl�nio do consumo de not�cias pelos meios convencionais, deixando muita gente � deriva, dependente do que a rede do Facebook recomenda ler. O Discover n�o chega a ser o futuro das not�cias, mas pode mudar a forma com que as pessoas compreendem, interagem e compartilham not�cias. Em algumas �reas, ele pode at� substituir o YouTube.
Por enquanto ele n�o passa de um experimento. Para se consolidar, precisa compreender que a rela��o do leitor/espectador com a not�cia mudou de vez. O meio digital � uma via de m�o dupla, e o p�blico quer se envolver, compartilhar e remixar os conte�dos recebidos. A audi�ncia passiva, uma distor��o que surgiu com a m�dia impressa, est� com os dias contados. Em um ambiente barulhento, o gerador de conte�do de qualidade, consistente e frequente continua imprescind�vel. O que ningu�m sabe � a forma que ele ter�.
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