� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O dom�nio do Facebookist�o
Alguns dos piores regimes totalit�rios est�o camuflados na forma de aparentes democracias. Mestres do discurso ideol�gico, manipulam a informa��o e as formas de intera��o de seu povo, que passa a acreditar no discurso oficial e na validade das atrocidades que cometem.
Com o crescimento do uso de m�dias sociais e sua transforma��o na norma com que o mundo se comunica pela rede, o dom�nio do latif�ndio do Facebook cresce de forma espantosa. De um dos v�rios servi�os de socializa��o da rede, ele rapidamente se transformou em uma subdivis�o da internet. Apoiado por seus sat�lites Instagram e WhatsApp, o gigante criou um feudo com suas pr�prias leis, costumes e rela��es de vassalagem.
A domina��o do Facebook tem v�rios pontos em comuns com o de uma religi�o, ao estimular em seus participantes o proselitismo e a catequiza��o. O valor de cada fiel � medido pelo volume de "amigos" que possui, mais do que pela eventual qualidade dessas rela��es. Cada membro funciona como agente de coer��o, demandando a presen�a dos outros.
Mas n�o basta estar no Facebook, � preciso pratic�-lo. E para isso � preciso estudar seus fundamentos, pensar nas melhores formas de utilizar seus recursos para aumentar o prest�gio entre outros fi�is. O usu�rio-modelo verifica o Facebook antes de dormir, logo ao acordar e v�rias vezes ao longo do dia, prostrado sobre o smartphone. As cinco ora��es di�rias do Isl� s�o irris�rias perante as demandas da sua profiss�o de f�.
Com mais de 1,3 bilh�o de usu�rios, o Facebook � uma das maiores religi�es do mundo. E seu comportamento � cada vez mais parecido com o de um Estado fundamentalista. A influ�ncia sobre seus s�ditos � t�o grande que raramente h� entre eles a percep��o de que algo est� errado. Esta, quando existe, vem de fora e � rapidamente desprezada.
Suas timelines, como p�steres de propaganda de regimes totalit�rios, mostram como o povo da m�dia "social" � melhor, mais inteligente, mais sexy, mais belo, Ariano enfim. Seu governante gosta de lembrar que a rede � de uso gratuito. Ao se mostrar em roupas comuns, tenta transmitir a ideia de que � um homem do povo, desapegado das riquezas mundanas, diferente dos capitalistas do passado. Seu objetivo maior � cumprir a fun��o social de conectar o mundo, tornando-o mais aberto (para ele) e conectado (a seus servi�os). Como todo megal�mano, sua vis�o � grandiosa e ufanista. E tem a pachorra de propor a melhoria nas rela��es entre as pessoas e maior transpar�ncia dos governos.
Presos ao espet�culo do real, muitos usu�rios obedecem sem questionar �s ordens de seus smartphones, prestando maior aten��o neles do que em sua fam�lia ou no ambiente em volta. Pais levam crian�as sem tirar os olhos do Facebook, m�es conduzem beb�s em carrinhos com os olhos grudados no smartphone e os pequenos s�o estimulados desde cedo a levar seus aparelhos para a praia, para a cama, para a mesa, para o banheiro. Os mais radicais abandonam beb�s, n�o comem, dormem, ou guiam direito e sacrificam obriga��es sociais em nome da fidelidade partid�ria. P�ginas e personas s�o constru�das at� para animais de estima��o, atualizadas diversas vezes por dia. A higieniza��o est�tica da realidade, via Instagram, n�o quer fazer o mal, apenas limpar a sujeira em volta.
Da mesma forma que os catequizadores europeus faziam em solo ind�gena, os conquistadores do Facebook fascinam os nativos com seus �cones brilhantes, mantendo-os hipnotizados e dependentes. Como imperadores Romanos no Circo M�ximo, a comunidade � distra�da com a humilha��o do pr�ximo e jogos f�teis, enquanto preciosos dados s�o coletados e comercializados inescrupulosamente. O circo � t�o eficiente que dispensa a distribui��o de p�o.
Os mais extrovertidos s�o as primeiras v�timas, vulner�veis por seu excesso de compartilhamento, sujeitos a puni��es variadas por discursos mal-interpretados. Voc� tem o direito de permanecer calado.
E quem cala consente. Como na Uni�o Sovi�tica, a vigil�ncia ideol�gica � onipresente, onisciente e, muitas vezes, onipotente. A comunidade age como os antigos espi�es, marcando indiv�duos em f�rias, eventos familiares, cerim�nias religiosas e at� nas ocasi�es mais banais. Paredes tem olhos e ouvidos, e podem estar no fundo de uma "selfie".
A Pol�cia do Pensamento agrupa indiv�duos por suas prefer�ncias, cidades em que moram, escolas que frequentaram, �reas de atividade e profiss�es escolhidas, na tentativa de compreender e prever mudan�as de comportamento. Acuados em seus guetos, muitos colaboram com a burocracia apenas para n�o ficar por fora e levantar uma eventual suspeita de dissid�ncia.
As fronteiras do regime, como as de v�rias democracias de fachada, parecem abertas. Qualquer um pode sair na hora em que quiser. Mas quem sair ver� cortada qualquer conex�o que tem com os que ficarem. Muitos dissidentes, pelo medo da retalia��o a seus familiares, acabam por ceder e se calar.
A velha gera��o se preocupa mais com esse dom�nio do que os novos. Talvez por conhecer o mundo antes da invas�o ideol�gica e conseguir, com alguma dificuldade, lembrar de como era o cotidiano sem ela. Os mais novos, por comodidade ou por n�o conhecer alternativa, s�o idealistas, incapazes de imaginar a vida longe do Grande Irm�o.
Em breve drones cobrir�o as poucas �reas do planeta em que a Internet n�o chega, e levar�o a pessoas que ainda n�o acessam a rede a ilus�o de que Internet e Facebook s�o sin�nimos. Para os mais conectados, plataformas de imers�o como Oculus criar�o ambientes inteiramente artificiais, cujas leis do Facebook questionar�o as da F�sica.
Como na Coreia do Norte, a popula��o v�tima desse tipo de regime se torna disfuncional, autista, desconectada em sua ess�ncia, incapaz de se opor a um sistema cada vez maior e mais poderoso. Cujo valor maior � colecionar identidades, engolir dados e fazer de tudo para alimentar o Leviat�.
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