� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O ano m�gico de 2015
Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria para 2015. H� 35 anos o mundo era fascinante, muito mais rico e cheio de oportunidades do que os t�o falados "loucos" anos 1920.
O mundo estava meio de ressaca, chamuscado por algumas crises financeiras e apreensivo com rela��o ao futuro. N�o era para menos. O que eles chamavam de internet na �poca estava come�ando a acordar e, em uma d�cada e meia, j� tinha provocado mais transforma��es no cotidiano do que boa parte dos s�culos anteriores. Naquela �poca j� havia quase dois bilh�es e meio de pessoas conectadas, e mais de 85% da popula��o do planeta tinha um aparelho de comunica��o pessoal.
O s�culo que come�ara com o "bug" do mil�nio encerrava uma �poca de trevas, em que pouqu�ssimos tinham acesso � informa��o, controlada por ind�strias e hierarquias poderosas, com nomes pomposos como Direito e Universidade. Uma enorme burocracia, estabelecida com o �nico intuito de controlar a distribui��o de conte�do e determinar quem tinha o direito de exprimir sua opini�o, come�ava a ruir.
Conquistas impensadas no passado tinham se tornado cotidianas. J� era poss�vel, com algumas restri��es editoriais e lingu�sticas, ter acesso a qualquer tipo de informa��o, ver mapas detalhados de praticamente todo o planeta, consultar uma enciclop�dia completa e atualizada, assistir a uma TV personalizada e comprar em lojas virtuais –para citar apenas seis das milhares de inova��es dispon�veis na �poca. N�o era � toa que muita gente, atordoada, acreditava que boa parte do que poderia ser criado j� tinha sido inventada.
A rede tinha se profissionalizado, mas ainda n�o tinha perdido sua caracter�stica rom�ntica. Naquela �poca se cultuava a figura m�gica do "empreendedor", uma mistura de microempres�rio com caub�i. Munidos de pouco mais do que um punhado de ideias e uma mistura de arrog�ncia e irresponsabilidade t�picas de quem n�o entende que certas coisas podem ser imposs�veis, esses inventores come�aram o s�culo quebrando tudo: comunica��o, entretenimento, manufatura, turismo, log�stica, com�rcio e boa parte das institui��es que, consolidadas ao longo do �ltimo mil�nio, pareciam eternas.
� certo que, na �poca, muita coisa ainda estava por mudar, em especial nas �reas de pol�tica, medicina, energia e finan�as. Mas j� havia na cabe�a de boa parte da sociedade a certeza de que essas institui��es, como as outras, estavam com os dias contados.
Naquela �poca, a proto-hist�ria da rede, boa parte das inova��es ainda eram amadoras e prec�rias. Algumas empresas j� tinham se consolidado. Mas seu modelo de neg�cio ainda era hier�rquico e baseado em competi��o. Nomes hoje desconhecidos como Facebook e Apple eram t�o grandes quanto um dia o foram Rockefeller e Onassis.
A maioria dos grandes produtos e servi�os usados hoje ainda estava por surgir. E poderia ser constru�da a pre�o de banana. Boa parte dos ingredientes j� estava dispon�vel. J� havia computa��o em nuvem e sistemas de Intelig�ncia Artificial. Watson da IBM e o carro do Google s�o mais ou menos dessa �poca. Sensores e circuitos Arduino e RaspberryPi eram vendidos em kits, acess�veis a qualquer um. Python e outras linguagens de programa��o que se tornariam as antecessoras de boa parte das l�nguas utilizadas hoje j� eram razoavelmente populares. E cada vez mais gente se dava conta que a melhor forma de compreender os computadores era program�-los.
Era f�cil ser o primeiro em praticamente qualquer categoria. A expectativa do mercado era baixa, as barreiras eram irris�rias e as restri��es, praticamente inexistentes. Tudo o que era necess�rio era um punhado de novas ideias e a teimosia para acreditar nelas enquanto todo mundo ainda queria inventar um novo telefone ou rede social.
A internet parecia saturada, mas apenas nas �reas em que era vis�vel. Boa parte das inova��es de ent�o nada mais eram do que uma adapta��o tecnol�gica de pr�ticas do passado. A Amazon poderia ser operada por um cliente de 1970. Um plano de m�dia para o YouTube poderia ter sido desenvolvido em 1960.
A mudan�a que ainda viria n�o era de tecnologias, mas de processos. A riqueza de servi�os como AirBnB, Uber e Wikip�dia veio de formas diferentes de pensar pr�ticas antigas. Formas que, como o Bitcoin, n�o se contentaram simplesmente em "atualizar" os produtos e servi�os, mas teimaram em desmont�-los e reinvent�-los.
Os primeiros 30 anos da internet criaram a base sobre a qual novas estruturas, impens�veis em sua riqueza e poder para os habitantes da �poca, se ergueriam. A fronteira estava aberta, e parte das estradas j� existia. Poucos momentos na hist�ria foram t�o ricos para inventores. 2015 foi o ano em que boa parte dos inventores do s�culo 21 se inspirou. N�o faltaram sonhadores que gostariam de voltar ao passado e viver em uma �poca t�o prodigiosa.
Pena que t�o pouca gente que viveu nessa �poca se deu conta disso.
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