� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O mito da neutralidade tecnol�gica
A internet trouxe muitas coisas louv�veis, mas n�o se pode dizer que a transpar�ncia esteja entre elas.
Vivemos em uma �poca assustadora. Praticamente n�o passa uma semana sem que apare�am novas evid�ncias de vigil�ncia, coleta de informa��es e vazamento de dados pessoais. Parece n�o haver op��o para a vida social contempor�nea a n�o ser aceitar a eros�o da privacidade face � impot�ncia contra corpora��es e governos.
Muitos ainda creem que a tecnologia � neutra, p�gina em branco, substrato cultural � espera de forma. Mas isto � uma racionaliza��o, justificativa em retrospecto que ignora a realidade. Tecnologias libert�rias podem escravizar, da mesma forma que t�cnicas de conscientiza��o podem ser usadas para manipular.
A dist�ncia e a diferen�a entre homem e m�quina sempre ajudaram a desenvolver um distanciamento cr�tico. Por mais que representem a fina flor da t�cnica, n�o � comum vermos pessoas "apaixonadas" por Boeings 777, turbinas e�licas ou equipamentos de tomografia. Pouco importa o design do produto se a qualidade n�o for satisfat�ria. "Bonitinho, mas ordin�rio", diria qualquer av�.
Nos aparelhos pessoais a fronteira � mais t�nue. O smartphone n�o � temido nem admirado. Ele � considerado parte da identidade, central nas rela��es pessoais, fundamental para a express�o criativa, para manifesta��es art�sticas e para boa parte das atividades l�dicas que at� h� pouco eram exclusivas do ser humano. Sem eles, a vida � cada vez mais um mart�rio.
Essa intimidade � t�o sedutora quanto perigosa. Em breve, ser� expandida para uma nova fronteira: a Internet das Coisas, que promete colocar o ser humano no centro do mundo tecnol�gico, rodeado por sat�lites aut�nomos.
A ideia pode soar pac�fica e at� progressiva, mas na realidade oculta uma forma de vigil�ncia camuflada na linguagem dos eletrodom�sticos. N�o � mais a velha sociedade de consumo, mas uma rede materializada, uma forma silenciosa e interativa de espionagem. � sempre bom lembrar que os verdadeiros clientes de Google e Facebook n�o s�o quem chamamos de "usu�rios", mas os departamentos de marketing que comercializam seus dados.
No in�cio da era do computador, Alan Turing sugeriu que, para se passar por gente, a m�quina n�o precisaria replicar a intelig�ncia humana, bastava imitar as rea��es das pessoas. Mesmo que as m�quinas do futuro demorem a desenvolver uma superintelig�ncia, n�o ser� dif�cil que se torne um dos melhores atores do planeta. Quando chegarem a esse ponto, muitos passar�o a trat�-las mais como seres vivos do que como coisas. Critic�-las, nesse ponto, ser� ainda mais dif�cil. Se nada for feito, quem discordar delas provavelmente ser� ignorado, contornado, transformado em pe�a de museu.
� preciso desenvolver um distanciamento cr�tico das maquininhas sedutoras que nos cercam para que seus avan�os ofere�am benef�cios para todos. O melhor caminho para isso � acabar com a devo��o cega e come�ar a demandar um comportamento melhor das ricas empresas que fornecem cada tecnologia.
Ao longo da hist�ria, pensadores e artistas t�o diversos quanto William Blake, Mary Shelley, Charlie Chaplin, Friedrich Nietzsche, Fritz Lang, Fernando Pessoa e Samuel Beckett mostraram que a m�quina demanda respeito e controle. � um ponto de vista muito atual, fundamental para uma �poca em que, pela primeira vez fora da fic��o cient�fica, se v� a defini��o do "humano" como algo pejorativo.
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