� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Multitarefas an�nimos
"Boa noite. Quero compartilhar minha hist�ria com voc�s. Muito obrigado pela disposi��o para me ouvir.
At� h� pouco tempo eu me considerava um multitarefa profissional. Especialista em comprimir, prensar, embalar e sobrepor atividades variadas em meu curto tempo.
A sensa��o, a princ�pio, era de um poder indescrit�vel. Eu me sentia profundamente engajado. Meu estresse diminuiu, fiquei mais eficiente, nenhum projeto ficava incompleto.
No mundo ca�tico, eu me considerava adaptado. Tinha desenvolvido uma "desaten��o adquirida". E-mails, telefones, mensagens de texto, posts, telas, aplicativos e janelas formavam um grande ru�do de fundo, parte da rotina di�ria.
Quando percebi, tinha me tornado extremamente sens�vel � informa��o que chegava. Se largasse do telefone ficava agitado, ansioso e mal-humorado.
Mesmo quando desconectado, eu sentia falta do est�mulo digital. Na sua aus�ncia, eu ficava entediado. Mesmo quando n�o fazia duas ou mais tarefas ao mesmo tempo, o pensamento fragmentado e a falta de foco persistiam. Estabelecer prioridades era um mart�rio. Segui-las, quase imposs�vel.
Aos poucos percebi que vagava a esmo, perdido na paisagem de informa��o, � procura de padr�es, est�mulos e tarefas. O trabalho era feito porcamente, nos raros intervalos da minha divaga��o mental. Minha efici�ncia era ilus�ria.
Foi quando percebi que tinha um problema.
Eu n�o tinha me tornado mais capaz, mas menos atento. N�o estava eficiente, estava ocupado. At� o que eu chamava de sobrecarga de informa��o era, na realidade, efeito de tarefas m�ltiplas e simult�neas.
Minha identidade pertencia cada vez menos a mim e mais a cada objeto ou rede que me chamava a aten��o. Cheguei a um ponto em que n�o conseguia mais estar presente, por inteiro, em momento algum.
Tinha perdido a empatia e boa parte do controle emocional. N�o tinha paci�ncia pra nada, estava insatisfeito com a lentid�o do mundo e desconfort�vel com o sil�ncio.
Como um doid�o chapado, eu esquecia o que tinha de fazer, mal ouvia quem falava comigo e me via perdido, vidrado nas timelines, mesmo sabendo que tinha muita coisa para fazer.
Como esquizofr�nico, eu ouvia vozes internas me dizendo para checar e-mails, entrar no Facebook, olhar o Instagram, escrever no Twitter.
Minhas experi�ncias estavam fragmentadas. Constantemente me via for�ado a reiniciar e mudar de foco. N�o conseguia me concentrar, estava sempre cansado. Por sorte n�o bati o carro.
A m�dia tinha me mudado. J� n�o percebia que verificar meu smartphone me removia das pessoas e das coisas que estavam na minha frente. Eu era extremamente social. E cada vez mais isolado.
Fazer muitas coisas ao mesmo tempo me dava uma sensa��o agrad�vel, que crescia com o aumento de tarefas. Aos poucos ela foi se transformando em uma compuls�o. Meu c�rebro n�o se contentava com as novas capacidades. Ele queria mais. Os sintomas de abstin�ncia eram intensos.
Para n�o piorar, resolvi parar.
Mas n�o foi f�cil, a luta � di�ria. A multitarefa � crucial para o trabalho hoje. Todo mundo parece que vai morrer amanh�, tamanha a ansiedade por informa��es cada vez mais r�pido. Ningu�m pode esperar um instante.
N�o parecem se dar conta que a mente se move mais r�pido do que o mundo externo porque precisa captar nuances, pensar a respeito do que ouve, ter ideias criativas e permanecer conectada ao que acontece ao redor. Ao realizar diversas tarefas simult�neas, o contexto � ignorado ou perdido. E como diz a sabedoria popular, o que n�o foi bem-feito ter� de ser refeito.
No futuro acredito que teremos bab�s eletr�nicas, que em vez de demandarem aten��o o tempo todo, possam se encarregar de realizar nossas tarefas silenciosamente.
At� que isso aconte�a eu seguirei minha longa jornada, um passo a cada vez.
Muito obrigado."
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