� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
A grande colisora de ideias
Os abusos recentes nas m�dias sociais ofuscam um pouco a bela transforma��o de ideias que a Internet promove. Esta coluna foi escrita na forma de um lembrete, por algu�m que viveu em um mundo que n�o se falava dela, e, talvez por isso, nunca se canse de admirar sua majestade.
Na era da informa��o qu�ntica, em que tudo o que � desmontado reaparece em outro lugar e de forma diferente, a rede mundial � muito parecida com outra inven��o que surgiu do mesmo ber�o: o Grande Colisor de H�drons.
Em um t�nel de 27 km de circunfer�ncia, enterrado a 175 metros abaixo da fronteira franco-su��a, o maior acelerador de part�culas do mundo realiza colis�es m�ltiplas, buscando analisar os detritos resultantes em busca de novas teorias.
Com a Internet n�o � diferente. Mas ali o que se chocam s�o ideias, e desses encontros novas ideias aparecem e se adaptam. A nova informa��o, como as part�culas subat�micas, tem um car�ter diferente das que lhe deram origem. Sua natureza � complexa, inst�vel, imprevis�vel.
Ningu�m imaginava, quando surgiu, que a Internet se transformaria em um reflexo do pensamento humano. Usada para armazenamento de mem�ria, extens�o cognitiva e, muitas vezes, compensa��o emocional, � ineg�vel que cada vez mais gente pense e sinta com a ajuda da rede e, atrav�s dela, busque novos objetivos e desejos.
A rede das redes faz com que cada mente conectada a ela perceba que, em sua ess�ncia, tamb�m � uma rede. Ao ampliar as comunidades de pensamento, ela contesta certezas e diminui autoridades. Os crescidos sob a sua influ�ncia n�o duvidam que a �nica forma de progresso � adotar a incerteza, estar aberto para mudan�as de opini�o, de ponto de vista, de interesses. N�o hesitam em confrontar diferentes Verdades com V mai�sculo para demoli-las, espatif�-las e buscar, nos detritos resultantes, novas verdades. M�ltiplas, plurais, contradit�rias, por que n�o?
O novo pensamento propiciado pela rede � muito mais l�quido que s�lido, gra�as a meios de comunica��o igualmente fluidos. Como no Twitter, em que diferentes part�culas de pensamento se agrupam at� formar os t�picos mais relevantes, a textura humana da informa��o est� manifesta nas conversas vis�veis, nos picos e surtos de texto, no graffiti exposto das marca��es e coment�rios e no fluxo de consci�ncia em que diversos assuntos buscam conson�ncias.
Na Internet � mais f�cil compreender ideias que, na mec�nica qu�ntica, pareciam t�o fant�sticas. A todo instante s�o estabelecidas realidades paralelas que, como o gato absurdo de Schr�dinger, est�o superpostas, simultaneamente vivas e mortas. A natureza da pergunta modifica a qualidade da resposta.
Nesta sopa de conceitos, o filtro � a mensagem. Ele substitui a mem�ria que, agora externa e compartilhada, espatifa o car�ter at�mico daquele que um dia foi chamado de indiv�duo. No mundo colaborativo a figura individual � cada vez mais anacr�nica. Todos s�o pontos focais em grandes redes, subconjuntos de informa��es, valores e interesses diversos. Se o tema do Iluminismo foi a independ�ncia, o maior valor do futuro pr�ximo dever� ser a interdepend�ncia.
Mas para explorar adequadamente suas riquezas � preciso mais do que Facebook. Por mais abrangentes que sejam seus dom�nios, o gigante azul ainda representa a inf�ncia digital. Em sua imaturidade, ele procura mimar e satisfazer os desejos mais imediatos de seus usu�rios. Sem ele, dificilmente a rede seria t�o popular. Mas no ambiente da nutri��o inform�tica, ele n�o significa muito mais do que uma por��o de batatas fritas.
Para transcend�-lo � preciso desenvolver novas alfabetiza��es, fundamentais, de aten��o, participa��o, colabora��o e detec��o de bobagens. Quem n�o as tiver certamente ser� v�tima da superficialidade, credulidade, distra��o, aliena��o, v�cio e tudo o que se critica hoje na rede.
� preciso maturidade para compreender a dimens�o da Internet. S� assim ser� poss�vel assimilar conte�dos al�m da zona de conforto e cultivar uma neutralidade acima de simpatias e reservas. Um dos ambientes poss�veis para essa nova forma de pensar seria um servi�o t�o bom em representar controv�rsias quanto a Wikip�dia o � para representar consensos.
Costum�vamos cultivar pensamento. A rede nos transformou em ca�adores-coletores de imagens e informa��es. N�o tardar� para que sejamos capazes de associar as duas t�cnicas e pensarmos como nunca se pensou.
Somos a primeira gera��o a ter o equivalente do Grande Colisor de H�drons para ideias. Se isso n�o mudar a nossa maneira de pensar, nada mudar�.
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