� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Democracia de consumo
Uma nova ideologia toma conta do mundo. Camuflada na ordem pol�tica, econ�mica e social, sua proposta coloca em risco boa parte das institui��es modernas.
Ela � a transforma��o do cidad�o em consumidor. Parece quest�o sem�ntica, mas na verdade reflete uma mudan�a radical, mais discreta do que a tradicional divis�o entre "direita" e "esquerda".
A sociedade contempor�nea foi transformada em um grande mercado. Pol�ticas econ�micas enfatizam o consumo, tratando a popula��o como massa desprovida de ideais, capaz de interagir apenas atrav�s da compra. A mudan�a � t�o abrangente que alguns prop�em a educa��o de direitos do consumidor nos curr�culos escolares. N�o tardar� para que sugiram a substitui��o da declara��o dos direitos do homem pelo c�digo do consumidor.
(In)felizmente n�o se pode resolver a sa�de p�blica ou a estagna��o econ�mica atrav�s de compras, buscas no Google, verbetes na Wikip�dia ou consultas ao f�rum p�blico do Facebook. � preciso tomar atitudes complexas, muitas vezes amargas, com resultados duros a curto prazo. Nenhum consumidor gosta disso.
N�o � por mau car�ter, mas por apatia. Ningu�m v� problemas em escolher o produto mais sustent�vel, desde que n�o custe mais caro, venha de um fabricante confi�vel, seja aprovado pelo grupo, n�o requeira esfor�o para comprar ou usar e funcione pelo menos t�o bem quanto o convencional. Ou seja, desde que se possa transferir a responsabilidade pela decis�o.
Ao focar no interesse imediato de um consumidor ap�tico, a sociedade privilegia o conforto a curto prazo � custa de um futuro incerto. E o mundo n�o melhora.
O que se v� nas redes sociais desde 2013 � a rea��o a uma administra��o p�blica tomada pelo marketing, em que partidos tentam vender pol�ticas como pacotes, baseadas em pesquisas de mercado e acompanhadas de uma publicidade assertiva e agressiva. No palanque do Twitter, a satisfa��o est� garantida em 140 caracteres ou menos.
Boa parte da culpa desse comportamento est� na Publicidade, uma ind�stria perniciosa, onisciente, onipresente e em busca da onipot�ncia. H� tantos an�ncios que � praticamente imposs�vel escapar deles. Em suas mensagens, formas variadas de vender, sorrateiramente, coisas de que ningu�m precisa, em vez de buscar descobrir o que � necess�rio para estimular verdadeiras mudan�as de comportamento.
A publicidade arrogante, malandra e paternalista desdenha a sociedade, desrespeita diferen�as e insulta a intelig�ncia de seus interlocutores, para n�o mencionar sua privacidade ou individualidade. J� dizia o Fil�sofo Mick Jagger, "estou dirigindo meu carro quando aparece um homem no r�dio com informa��es in�teis que deveriam estimular minha imagina��o. N�o me satisfa�o, por mais que tente".
A Guerra Fria acabou faz tempo, ningu�m imagina o retorno de ideologias totalit�rias que forcem a decis�o do indiv�duo. Mas � preciso buscar uma vers�o melhor, mais virtuosa do capitalismo.
Os valores de consumo s�o anacr�nicos no mundo conectado. Novas tecnologias trazem novas moedas e novos padr�es de comportamento e pensamento. A configura��o padr�o do mundo digital � participar, n�o receber. Colabora��o, compartilhamento e produ��o descentralizada s�o as novas formas de propriedade, contestando a no��o de "consumidor".
A Kodak faliu por acreditar que o marketing era mais importante do que a pesquisa, mas poucos parecem ter aprendido a li��o. Empresas precisam relembrar as raz�es por que surgiram, normalmente para suprir necessidades do seu p�blico, n�o de seus acionistas, e criar decis�es de gest�o compartilhada. Partidos pol�ticos precisam respeitar o julgamento, a intelig�ncia e a capacidade da popula��o de participar de projetos compartilhados, em vez de receber, passivamente, pacotes fechados.
� preciso resgatar a cidadania das armadilhas do consumeirismo. Quebrar a ideia de mundo amoral, desmoralizado, que se faz da sociedade contempor�nea. Isso demanda maturidade, representada em um pequeno desconforto na busca de um futuro melhor, e n�o o contr�rio.
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