� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
N�o votei em voc�
Esta coluna foi escrita na sexta-feira que antecedeu as elei��es (24). Ela n�o diz respeito ao candidato vitorioso, mas aos comportamentos daninhos que antecederam sua vit�ria. Vale para os dois lados.
Fazia muito tempo que n�o se viam brigas entre correligion�rios nas ruas, nem um debate pol�tico de tamanha intensidade emocional. Por todo lado, o que se via era uma divis�o, como se os valores das partes fossem mutualmente exclusivos. Ou se um, qualquer um, pudesse viver sem o outro.
Pouco se debateu sobre op��es de governo. Se houvesse tal debate, n�o seria dif�cil chegar � conclus�o razoavelmente �bvia de que os dois n�o eram, em sua ess�ncia, t�o diferentes.
Nem t�o poderosos. As institui��es brasileiras s�o fortes o suficiente para impedir qualquer grande virada na condu��o do Estado. A composi��o dos or�amentos e a estrutura das leis garante que boa parte do jogo esteja previamente definido, � prova de bravatas ou loucuras diversas.
Mas � dif�cil explicar essa condi��o em um ambiente de tamanho car�ter emocional. Ainda mais em um pa�s de realismo fant�stico, que at� o presidente da Rep�blica n�o ocupa seu cargo, mas "toma posse" da Presid�ncia.
O que se viu nos �ltimos dias passou longe de uma festa democr�tica. Da mesma forma que a alegria do Futebol se perde quando torcidas partem para a selvageria, a riqueza do debate foi ofuscada pela declara��o de medo, manifesto de v�rias formas, da oposi��o �s for�as de mercado � defesa do armamento. Travestidas de valentia e independ�ncia, elas mostram ignor�ncia hist�rica. N�o � corajoso se comportar como se todos ao redor, pa�ses ou pessoas, fossem amea�as. � psic�tico.
O comportamento tribal de uma disputa marcada por desinforma��o, simplificando o mundo em campos opostos, pode facilitar a ades�o, mas dificulta qualquer administra��o. Ideologias antag�nicas e comportamentos agressivos n�o encontrar�o pontos em comum para que se avance nas discuss�es. Como acontece quando se enfrenta um relacionamento pessoal com problemas, n�o se pode recome�ar a partir do zero, reiniciar a jornada como se fosse uma nova vida em um videogame.
E poucas vezes essas discuss�es foram t�o necess�rias. Por mais que "salvadores da P�tria" proclamem que tudo ser� diferente, os pr�ximos anos n�o ser�o f�ceis. Ser� preciso fazer ajustes fiscais, controlar a infla��o, equilibrar as contas. Enfrentamos um esgotamento do modelo de crescimento econ�mico e n�o temos servi�os p�blicos razo�veis. Sem crescimento econ�mico � dif�cil prover servi�os p�blicos de qualidade. Sem capacitar a popula��o � dif�cil gerar crescimento.
� um c�rculo vicioso. Para sair dele � preciso reorganizar estruturas arcaicas, viciadas, desenhadas para coagir e desarticular o indiv�duo. O problema n�o � s� da pol�cia, do governo, do hospital ou da escola. � de todos. Enquanto n�o houver um di�logo constante entre governantes e governados, n�o haver� transforma��o de fato.
A grande quantidade de votos nulos do primeiro turno, que deve ter se repetido no segundo turno, mostra uma insatisfa��o com um sistema que n�o representa seus cidad�os nem possui capacidade de dialogar com eles. Por mais que se possa escolher o dirigente, falta transpar�ncia e influ�ncia em suas decis�es. O resultado � frustrante.
Passado o carnaval das elei��es, como foi o das manifesta��es, boa parte da popula��o, saturada pela intensidade e irracionalidade do debate, provavelmente voltar� �s futilidades da m�dia, potencializadas via Facebook. � uma pena.
Acredito que o calor das manifesta��es na rede � sinal de um povo que est� aprendendo a se manifestar e a ser ouvido. Toda essa emo��o n�o deve se transformar em desprezo nem apatia, mas em vig�lia. E a Internet pode ser o melhor caminho para o exerc�cio do interesse p�blico. Mas n�o como � feito hoje, que bloquear e curtir � mais f�cil do que debater ou sugerir.
A Primavera �rabe mostra que articula��es digitais podem ser �teis para derrubar estruturas, mas que v�cuos de poder ser�o rapidamente preenchidos pelas velhas m�quinas ou por grupos altamente motivados e organizados, normalmente extremistas.
H� caminhos melhores, conciliadores, para n�s. Deixamos a escravid�o, que um dia foi t�o parte do sistema quanto a Internet � hoje, sem grandes tumultos. Sa�mos de per�odos de crise, hiperinfla��o e ditaduras em absoluta tranquilidade. Tudo mostra que sairemos desse impasse com igual facilidade.
Mas para isso � preciso participar do discurso p�blico. Precisamos de ambientes plurais, abertos � participa��o, que tenham real influ�ncia sobre pol�ticas p�blicas. E esse debate deve ser conduzido com respeito, criatividade e compaix�o.
Como diz a sabedoria pintada nos muros das ruas, gentileza gera gentileza. Mais amor, por favor.
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