� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Em defesa do v�deo vertical
Smartphones e tablets transformaram todo mundo em diretor de v�deo. Tudo � motivo de grava��o: amigos, fam�lia, gatos, cachorros e, naturalmente, o espelho. Nesse processo era previs�vel que surgissem novas formas de registro de imagens, como o uso de c�maras na vertical. O resultado � um tipo de v�deo incomum, com duas grandes barras pretas na lateral, que provoca desconforto em muita gente.
Os argumentos contra o v�deo vertical s�o v�rios. Os principais alegam a tradi��o do formato e a anatomia da vis�o, que nos torna capazes de ver terrenos mais largos do que altos. Muitos defendem que a propor��o deveria ser um padr�o universal, jamais questionado. Chegam at� a propor telefones e tablets que mudem automaticamente a orienta��o de suas c�maras, for�ando seus usu�rios a gravar imagens na horizontal. O que pouco se sabe � que os motivos que geraram essa propor��o s�o bastante arbitr�rios.
Caracter�sticas t�cnicas do meio sempre interferiram na formata��o das imagens. Nos anos 1890, logo que a Kodak come�ou a produzir o filme flex�vel, surgiu o desejo de registrar o movimento. Em colabora��o com Thomas Edison, engenheiros da empresa registraram imagens animadas nos mesmos filmes de 35 mm usados para a fotografia. Surgia a propor��o "cl�ssica" de 4x3, ou 1,33:1, em que a imagem � um ter�o mais larga do que alta.
Alguns anos depois, para dar espa�o para a trilha sonora dos novos filmes falados, cortou-se um pouco da imagem no eixo vertical, mudando a propor��o para 1,37:1. Cl�ssicos do cinema, como Casablanca, Cidad�o Kane e O M�gico de Oz, foram gravados nesse formato.
Nos anos 50, uma novidade tecnol�gica for�ou o cinema a inovar de formato. A TV invadiu as casas, levando com ela a propor��o de imagem usada nos filmes. Em crise repentina, a ind�stria de cinema precisava trazer os espectadores de volta, e para isso recorreu a uma vari�vel que n�o se poderia ter em casa: o tamanho. Surgiriam da� as inven��es que popularizariam a horizontal.
Derivado de um simulador militar, um Frankenstein chamado "Cinerama" era composto de tr�s c�maras e tr�s projetores, capazes de captar imagens na propor��o de 2,59:1, ou mais de duas vezes e meia mais largas do que altas. Projetado em tela curva, ele fez um enorme sucesso. Mas era caro demais, tanto para produzir quanto para projetar, for�ando est�dios a buscarem alternativas.
Algumas eram pura gambiarra. O western "Shane", por exemplo, foi filmado no processo convencional, depois ampliado e cortado para chegar � propor��o de 1,66:1. Novas lentes chamadas "anam�rficas" comprimiam a imagem na horizontal para depois expandi-la, criando o CinemaScope. Com propor��o de 2,66:1, o formato era ainda mais largo do que o Cinerama. Os filmes de "Guerra nas Estrelas" usaram esse recurso.
Outras inven��es da �poca optaram por registrar as imagens de lado, para depois revert�-las na proje��o. VistaVision, a mais popular delas, foi usada em "Os Dez Mandamentos" e boa parte dos filmes de Hitchcock. Sua propor��o? 1,85:1.
Outra solu��o foi dobrar a largura do filme. Em 70 mil�metros, "A Novi�a Rebelde" e "2001" encheram os olhos das plateias com sua propor��o de 2,20:1. "Ben Hur" chegou a quase 3:1.
Mas nenhum desses formatos corresponde aos 16x9, ou 1,77:1, das TVs modernas. Ele surgiu, por incr�vel que pare�a, da m�dia entre a propor��o dos filmes mais populares no cinema e a das velhas TVs (e tamb�m de monitores de computadores, c�maras digitais e dos primeiros celulares), garantindo barras pretas de igual tamanho, pouco importasse o formato original. Essa nova propor��o influenciou novos tamanhos de aparelhos e conte�dos. O resultado � a babel de formatos que se v� hoje, cada qual com relativo grau de raz�o e influ�ncia.
Antes de surgir a c�mara fotogr�fica, ningu�m falava em padr�o de propor��o. E mesmo depois de sua inven��o, formatos quadrados tiveram v�rios momentos de popularidade, o �ltimo deles com o Instagram que, como o Vine, ressuscitam o quadrado. Todos est�o certos, menos aqueles que, por qualquer motivo, se considerem donos da verdade e persigam os autores de v�deos verticais.
Na Europa, novos cineastas exploram o formato vertical como uma nova fronteira para o cinema. Festivais como o Vertical Cinema projetam imagens imponentes, do ch�o ao teto, repensando espa�os de proje��o e formas de participar dela. Enquanto velhos cr�ticos pessimistas decretam a morte da S�tima Arte, eles prop�em futuros em novos eixos, agora livres dos meios f�sicos de capta��o.
Qualquer que seja o formato, n�o se pode esquecer que a tela � apenas o suporte para contar hist�rias. Se forem boas, como as de Chaplin, sobreviver�o mesmo mudas e em preto e branco. Se forem ruins, n�o haver� 3D ou IMAX que as salvem.
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