� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Moleques mimados
A primeira gera��o era cabeluda, quase hippie, idealista, um pouco ing�nua. Cansada dos excessos de uma sociedade capitalista e selvagem, resolveu deixar a vida besta e se mudar para a Calif�rnia, laborat�rio de experi�ncias sociais e compartilhamento. Com a ajuda de colegas na Su��a, criaram a base do que imaginavam ser um novo Iluminismo, a materializa��o da "aldeia Global", que a TV n�o conseguiu cumprir.
A ideia era t�o nova que demandava novos nomes. Ciberespa�o, Metaverso e Realidade Virtual foram alguns dos termos criados para explicar o novo mundo. Mas, como Colombo, eles at� faziam uma ideia do rumo, mas n�o conseguiram entender aonde foram parar. A tarefa ficou para a pr�xima gera��o.
Mas alguma coisa aconteceu pelo caminho.
A rede, que deveria servir para expandir a intelig�ncia humana, parece ter se tornado um ambiente selvagem, primitivo, infantil, em que a conversa "adulta" � rara. Basta olhar os t�tulos mais populares nas redes sociais para se perceber que a maioria parece escrita para capturar a aten��o de um adolescente apressado, t�o cheia de g�rias, fofocas e dicas de sucesso instant�neo que �.
Os coment�rios conseguem ser ainda piores. Mascarada pela condi��o de anonimato criada para preservar a liberdade de express�o, a maioria das pessoas disposta a debater os argumentos apresentados se comporta de forma incrivelmente grosseira, transformando qualquer discord�ncia em insultos pessoais ou infundados.
A cr�tica construtiva parece ter sido substitu�da pela insist�ncia em identificar defeitos nos outros. Qualquer conte�do que possa ser interpretado como sexista, racista, homof�bico, antissemita, anti-ecol�gico, conservador ou ateu se torna v�tima preferencial de milhares de "vigilantes", cujos argumentos de baixa qualidade s� costumam perder para a incapacidade de interpreta��o dos textos que leram.
A cr�tica poderia ser ben�fica se fosse construtiva ou tivesse m�o dupla, mas n�o � isso o que acontece. A autocr�tica � t�o rara quanto a tomada de responsabilidades. Cada pessoa parece extremamente sens�vel �s avalia��es recebidas, ao mesmo tempo que incapaz de perceber as ofensas feitas aos outros.
Em muitos aspectos, a Web parece ter se tornado o p�tio do recreio do ensino m�dio, em que palha�os, valent�es, escandalosos e esquisitos (incluindo na categoria fanboys, geeks e nerds) disputam espa�o com seus draminhas pessoais, aparentemente incapazes de crescer ou enxergar al�m de seu pr�prio umbigo.
Refor�ados pela timeline do Facebook, que oculta os posts de quem n�o clica nas mesmas coisas do que eles e inspirados pela valentia grosseira de nulidades como Danilo Gentili e Jos� Luiz Datena, a maioria se comporta como um bando de adolescentes meio b�bados, loucos para amplificar e intensificar suas emo��es, procurando extremos, insens�veis para o que � errado. Se todo mundo faz, n�o deve ser ruim.
Del�rios de grandeza e impulsividade, estimulados pela mensagem publicit�ria de virilidade perene e silhueta perfeita a um clique, muitos perdem o contato com a realidade, se refugiando nos ambientes de simula��o dos games.
Espera-se cada vez mais da tecnologia e cada vez menos das pessoas com quem se convive. N�o � para menos: o erro � melhor tolerado no mundo m�gico do que no contexto de uma rela��o ou ambiente de trabalho. Se a situa��o n�o for satisfat�ria, deixe-a. N�o faltar�o oportunidades.
N�o acredito que esse comportamento seja resultado da velocidade das mudan�as tecnol�gicas. Outras mudan�as, em outras �pocas, tiveram impactos t�o grandes ou ainda maiores, e n�o infantilizaram seus usu�rios, muito pelo contr�rio. Acredito que o vil�o esteja na cultura de entretenimento, que, desde a TV, popularizou o discurso vazio, cujo objetivo final � fazer com que os olhos n�o se desgrudem da tela. Para isso, qualquer recurso � v�lido. V�deos de gatos ou acidentes, p�lulas de comunica��o, listas, rankings e receitas, pra que pensar? Na cultura de 140 caracteres do Twitter, tudo que � longo d� uma enorme pregui�a de ler.
A acomoda��o � amplificada por tecnologias sofisticadas de customiza��o e log�stica, que fazem com que tudo possa ser entregue em casa e parcelado no cart�o. Quem precisa crescer, quando se j� vive na Terra do Nunca?
Basta analisar o modelo de produ��o do vale do Sil�cio, em que jovens profissionais dispostos a trabalhar ininterruptamente, em uma dieta de pizza e energ�ticos para construir start-ups; que baladas chamadas de "Hackathons" tentam resolver os problemas do mundo em uma s� arrancada; e que muitas empresas consolidadas terceirizam parte do trabalho para sweatshops em condi��es deplor�veis para se perceber que esse n�o � sinal de um capitalismo maduro, mas de um mercado atordoado e sem planejamento. E vamos correndo at� que a Singularidade nos redima.
Em sua curta vida, a web j� modificou setores inteiros da Economia e Sociedade, criando ao mesmo tempo gigantes e monstros, e est� apenas no come�o. Seus usu�rios ainda est�o tentando descobrir como se comportar, o que fazer, como faz�-lo. O c�digo de �tica est� em constru��o.
Para progredir no mundo digital � preciso desenvolver a intelig�ncia emocional, que, como a outra, pode ser expandida pela rede para que se torne uma ferramenta de uma sociedade digital verdadeiramente civilizada.
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