� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O hoax Marina
A situa��o n�o est� boa para o governo federal: o mercado de trabalho desaquecido, crises de �gua e energia, infla��o acima da meta e baixo crescimento, causados pela falta de reformas estruturais e pela pol�tica fiscal de baixa credibilidade fizeram com que seu �ndice de aprova��o popular ca�sse para 31% em junho.
� um n�mero pior do que parece. Segundo o Instituto An�lise, em levantamento de 104 elei��es para governador ocorridas entre 1994 e 2010, todos os governadores que tiveram �ndices de aprova��o igual ou maior do que 46% foram reeleitos, enquanto todos que tiveram menos de 34% foram derrotados.
A mensagem n�o deixa d�vidas: uma democracia forte, mesmo jovem como a nossa, tem institui��es que conseguem demandar mudan�as, mesmo que n�o garantam escolhas certas. Distantes do eleitor, cargos pol�ticos n�o s�o avaliados por capacidade t�cnica, mas pela percep��o da realidade.
O povo, indeciso entre um governo que n�o satisfaz e uma oposi��o que n�o convence, pode n�o saber o que quer, mas tem uma boa ideia do que n�o quer. Quando um completo desconhecido se transforma em m�rtir e todos os seus oponentes ganham a m�dia para lembrar que morto nunca tem defeitos, a escolha est� feita. Tempo de TV, em um pa�s que l� pouco, sempre foi crucial.
O problema � que a op��o n�o estava no card�pio. Marina n�o era candidata, n�o tinha proposta nem equipe. Pouco importava. Com a for�a de um movimento social, tudo quanto � rumor, suposi��o e desconfian�a ganhou as m�dias sociais e, ali, se transformou em verdade. Ningu�m se lembra de quando ouviu pela primeira vez que suas propostas n�o eram t�o diferentes das de A�cio. Nem de quando aprendeu que seu governo seria um complemento � Era Dilma. Mesmo assim, em uma semana, sua candidatura era a favorita.
Dos QGs do PT e PSDB ao governo da Venezuela, o s�bito crescimento de Marina provocou desespero. Em p�nico, chegaram a compar�-la a J�nio Quadros e Fernando Collor. Dilma afirmou at� que Marina entregaria o comando do Banco Central aos banqueiros, esquecendo temporariamente que o chefe do Banco Central no governo Lula foi Henrique Meirelles, ex-presidente do BankBoston.
Assustados pelo poder de influ�ncia das redes sociais, todos os partidos montam equipes para monitor�-las e desmentir boatos. Processos e a��es judiciais contra portais e redes tentam intimidar qualquer insolente. Essas atitudes dificilmente ter�o efeito. Podem at� limitar algum autor, mas n�o eliminar�o o rumor, que, misturado a not�cias de fontes confi�veis e coment�rios de pessoas respeit�veis, se torna indiscut�vel.
Em um ambiente de m�ltiplas fontes de informa��o n�o � vi�vel reprimi-las. Por isso � t�o importante verificar sua veracidade. Na l�ngua inglesa, um "hoax" � uma not�cia fabricada, sem rela��o com a realidade. Ao longo da hist�ria, eles tiveram v�rias formas. Falsos encontros hist�ricos, como o de Dickens com Dostoi�vski, falsos dados militares, como o tamanho do arsenal nuclear russo, bobagens pseudo-cient�ficas, como a no��o de que a linguagem falada afeta a forma de pensar, e hist�rias fant�sticas, como a narra��o de uma invas�o marciana por Orson Welles em 1938 fazem parte do folclore urbano. Quanto mais modestos e despretensiosos, mais convincentes.
Na Internet, em que todos podem ser m�dia, esse tipo de falsifica��o � cada vez mais comum. Seus efeitos est�o longe de ser inocentes. Aos poucos, os regimes totalit�rios percebem que mentiras desse porte podem transformar a Internet em forte aliado para criar confus�o. Quando a censura � imprensa se encontra com a cultura de entretenimento, o jornalismo se transforma em realidade fant�stica, pronta para contestar qualquer verdade sem propor alternativa, tornando o consenso imposs�vel. � o que se v� na confus�o provocada pelo lobby da ind�strias de Tabaco e pelos opositores �s mudan�as clim�ticas.
A R�ssia � um dos melhores exemplos dos efeitos da guerrilha de desinforma��o. No governo Putin, mentiras e fraudes somam-se � pirataria e sabotagem digital para reinventar a realidade, criando alucina��es transformadas em a��o pol�tica. A propaganda ideol�gica, que tem suas ra�zes na pol�tica sovi�tica, ganhou, com a Internet, uma escala inimagin�vel. O resultado � digno dos grandes contadores de hist�rias russos.
Um deles, Chekhov, escreveu uma hist�ria em 1900 com valores aplic�veis � situa��o atual. Nela, o pai de um falsificador tem sua reputa��o destru�da por passar adiante sem inten��o o dinheiro impresso pelo filho. Arrasado, ele perde a confian�a em seu pr�prio julgamento e cai na mis�ria, incapaz de guardar dinheiro por n�o ser capaz de separar notas verdadeiras de falsas.
Na virada do s�culo 20, Max Weber percebeu que o Estado progride da autoridade carism�tica, baseada na rela��o de confian�a entre o l�der e seu rebanho para uma baseada em tradi��es, e desta para uma baseada em conhecimento e compet�ncia, t�pica das democracias contempor�neas.
Na Economia da Informa��o, a confian�a � o maior valor. Se nada � verdadeiro, tudo se torna poss�vel e corre-se o risco de criar uma crise institucional. Sem institui��es confi�veis, a �nica op��o � o retrocesso � figura do l�der carism�tico, t�o comum na pobre Am�rica Latina.
Boa parte das hist�rias fant�sticas da Internet explora a pregui�a dos leitores, criando narrativas boas demais para serem verificadas. Tudo que seja divertido, veross�mil, desej�vel ou assustador � compartilhado, com o aval de quem transmite a hist�ria, sugerindo que seja digna de considera��o.
Campanhas publicit�rias camufladas, chamadas de "marketing viral", n�o tem nada a ver com liberdade de express�o. Seu efeito n�o � apenas uma perda de tempo, mas uma quebra na confian�a na not�cia, anestesiando para o que � realmente importante.
Quando a verdade se torna menos importante do que a "viralidade", a realidade � amea�ada e, com ela, a confian�a que constr�i qualquer sociedade.
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