� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Deus ex-machina
Desde o final do s�culo 19 se tornou comum pensar em Ci�ncia e Religi�o como grandezas distintas, quando n�o opostas. A rela��o, mais complexa do que muitos gostariam de admitir, n�o promete se resolver t�o cedo.
Raz�o e cren�a caminham juntas feito tiras de DNA. Ao longo da hist�ria, a religi�o sempre influenciou e moldou avan�os tecnol�gicos, inspirando novas descobertas ao mesmo tempo que restringia progressos tecnol�gicos. Da clonagem � eutan�sia, da biotecnologia � modifica��o gen�tica, o medo de brincar de Deus parece estar presente na maioria dos debates contempor�neos.
Entre a elite tecnol�gica, muitos acreditam que a internet come�a a ganhar vida e se transformar em organismo global, gerando uma esp�cie de intelig�ncia coletiva quase divina, onisciente e de vida eterna em realidade virtual. Mesmo futuristas com razo�vel base cient�fica parecem se deixar seduzir por uma vis�o secular de Para�so.
Parece bom demais para ser verdade, e al�m de tudo, meio manjado. N�o � para menos. Presente em quase todas as culturas, a religi�o parece ser uma caracter�stica inerente ao ser humano, um res�duo evolucion�rio. Desde a pr�-hist�ria somos programados para buscar a causa e os agentes de cada fato. Pegadas levam a presas ou a predadores, e podem salvar vidas.
Outra estrat�gia evolucion�ria que sobrevive aos tempos � o h�bito de prestar aten��o demasiada nos aspectos negativos do mundo, o que tende a causar um certo sofrimento e desejo de fuga. Praticamente toda vis�o religiosa antecipa um futuro em que a dor acabar�.
Como diria Shakespeare, que sonhos vir�o quando nos livrarmos deste fardo mortal? Para a corrente da Singularidade, quando nossas mentes forem descarregadas para as m�quinas seremos puros, teremos grandes ideias e controlaremos o universo. Nesse admir�vel mundo novo, todos ser�o felizes para sempre.
No ambiente contempor�neo, at� o descrente mais aguerrido precisa se vigiar para n�o cair na ilus�o de que as coisas existem por alguma raz�o moral, que nada � por acaso, ou que as pessoas recebem o que merecem. � dif�cil ser ateu quando o inconsciente trabalha contra.
A rela��o contradit�ria que o ocidente desenvolve com a tecnologia, em que rob�s demasiadamente humanos tanto fascinam quanto geram desconforto, remete a uma longa hist�ria m�tica. No folclore judaico medieval, o Golem � um ser antropom�rfico, criado magicamente a partir de mat�ria inanimada. Sua figura, apesar de her�ica, traz o medo de uma rebeli�o contra seu criador. Nas tr�s grandes religi�es ocidentais e suas deriva��es, o culto a objetos, ou idolatria, � considerado sacril�gio.
No Jap�o as coisas s�o mais saud�veis. L� a tecnologia rob�tica desempenha um papel comum. Sua rebeli�o estaria, como um problema sanit�rio, mais para uma dor de cabe�a do que para uma trag�dia.
A busca por ambientes paradis�acos, esot�ricos, tecno-gn�sticos, mesmo que ilus�rios, pode n�o ter efeitos daninhos. Mas ela � um truque. Ao disfar�ar os problemas atuais, pode levar a um otimismo que encoraja a mudan�a ou a uma acomoda��o que preserva a situa��o.
A express�o em latim do t�tulo desta coluna, que significa "Deus vindo da m�quina", se refere a um recurso teatral usado na Gr�cia antiga, em que problemas insol�veis eram resolvidos abruptamente pela interven��o artificial e inesperada de uma figura divina.
Em um cen�rio apocal�ptico de crises financeiras, desigualdade, polui��o, esgotamento de recursos e aquecimento global ela pode ser confort�vel, mas est� longe de ser uma solu��o.
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