� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
Uma casa muito engra�ada
Era uma casa muito engra�ada. Tinha teto, mas ele de pouco valia. As l�mpadas, a temperatura e boa parte dos eletrodom�sticos eram controlados remotamente para garantir conveni�ncia, conforto e seguran�a.
Ningu�m podia entrar nela, n�o. Seu alarme digital era um sistema de seguran�a de padr�o empresarial. Sensores e c�maras ligados � internet chamariam a central, o dono, a pol�cia, os bombeiros, o zelador ou um vizinho caso algo estranho fosse detectado. Da mesma forma que antigamente se deixava a luz acesa para espantar ladr�es, a presen�a na casa poderia ser simulada com l�mpadas, motores e cortinas autom�ticas. Isso tamb�m resolvia o problema de regar plantas e alimentar bichos em uma viagem.
A casa praticamente n�o tinha paredes. Para se adaptar ao espa�o progressivamente reduzido em cidades cada vez mais compactadas, cabia ao controle central simular ambientes de acordo com quem o ocupasse, conforme a atividade realizada. Isso ajudava a poupar energia, melhorar o humor e diminuir a sensa��o de confinamento.
Mas nem tudo era perfeito. Fazer pipi, por exemplo, demandava um certo desapego. N�o por falta de penicos, mas por quest�es de privacidade. Toda a comodidade resultava de uma negocia��o com os fornecedores, que subsidiariam os equipamentos em troca de uma coleta de dados pessoais an�nimos.
Expans�es residenciais dos sistemas de automa��o industrial, projetos de casas autom�ticas existem h� cerca de um s�culo, com o decl�nio da oferta de servi�ais e o surgimento dos eletrodom�sticos, que vieram suprir uma demanda por ajuda nas cidades emergentes.
Vedetes nas feiras mundiais e cen�rios constantes dos filmes de fic��o cient�fica, as tais "casas do futuro" n�o eram t�o simples. A complexidade dos equipamentos e o custo restringiam o sonho a mans�es e a casas de inspetores-bugiganga.
Diz-se que o futuro � superestimado a curto prazo e subestimado a longo prazo, e com as casas n�o foi diferente. O surgimento dos microcontroladores, plaquinhas que funcionam como pequenos computadores embutidos em chips, foi o primeiro passo. Parte integrante dos autom�veis, implantes medicinais, ferramentas e brinquedos modernos, eles est�o cada vez mais simples e baratos. Conectados � rede e controlados por aplicativos em celulares, s�o a face mais evidente da t�o falada "internet das coisas".
Toda essa traquitana parece sup�rflua, como um dia uma lava-lou�a o foi. Para quem � jovem, n�o tem problemas de locomo��o e vive em um ambiente cujas varia��es de temperatura s�o apenas um inc�modo, a rob�tica dom�stica � quase um luxo. O mesmo n�o pode ser dito de uma popula��o cada vez mais idosa que prefere (ou precisa) se manter independente.
A cria��o de um sistema operacional dom�stico � o sonho de gigantes como Philips, GE, Intel, Cisco, Apple, Google, Samsung e Microsoft, todos na corrida para interligar servi�os de armazenamento na nuvem, automa��o, computa��o vest�vel, "big data" e internet das coisas naquela que promete ser a nova fronteira digital.
Mas quem acredita que tudo isso � feito para o bem, sem nenhum interesse mercantilista, vigilante ou escuso, � melhor se mudar para a rua dos Bobos, n�mero zero.
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