� professor-doutor de Comunica��o Digital da ECA da USP. Trabalha com internet desde 1994. Hoje � consultor em inova��o digital.
O her�i hacker
Na Chicago de um futuro n�o muito distante cada sem�foro, dispositivo eletr�nico, c�mera e sistema de infra-estrutura est� conectado � Internet. Tudo � controlado pelo ctOS, um sistema operacional desenvolvido para tornar a vida dos habitantes dessa "cidade inteligente" mais f�cil e pr�tica.
Mas a promessa tecnol�gica tem um risco: quem controlar o ctOS pode us�-lo para seus pr�prios prop�sitos. Privacidade, seguran�a e at� mesmo as liberdades fundamentais podem ser amea�adas pelos governantes ou por quem descubra como manipular o sistema.
Nesse cen�rio uma vers�o dopada do Tom Cruise, �spero e com um temperamento explosivo, resolve transformar a cidade em arma para combater a corrup��o e o crime organizado.
Filme? S�rie? Jack Bauer? N�o, game. No jogo "Watch Dogs", que vendeu 4 milh�es de c�pias na semana de seu lan�amento, o jogador � um hacker, que precisa interceptar mensagens, invadir privacidades e interagir no funcionamento da cidade para conquistar seus objetivos.
� um jogo bem atual, que leva em conta a espionagem governamental dos EUA, o surgimento das cidades inteligentes e um protagonista que n�o larga do smartphone.
Ele n�o � o �nico, nem o mais abrangente do g�nero. Para andar livremente por uma cidade recriada � perfei��o, a s�rie Grand Theft Auto � melhor. Para quem sonha ser hacker, h� jogos para consoles, smartphones e tablets mais espec�ficos. Mas Watch Dogs mostra uma tend�ncia cada vez maior de se idolatrar o hacker e de ensinar suas pr�ticas como forma de entretenimento.
"Hacker" � um dos termos contempor�neos mais contradit�rios. Para muitos, o r�tulo � pejorativo e criminoso. Outros, principalmente auto-intitulados, reclamam que significa exatamente o contr�rio. Na verdade � um termo gen�rico demais, que pode abranger do menino brincando com seu PC at� o especialista em seguran�a de alto n�vel.
Para aumentar a confus�o, recentemente surgiram os "hacktivistas", equivalente contempor�neo dos ativistas dos anos 70. Eles s�o hackers que buscam liberar informa��es de ag�ncias governamentais, lembrando da transpar�ncia necess�ria para se chegar a uma democracia efetiva.
E ainda h� os "hackerspaces", ou espa�os hacker, feitos para quem tem ideias e precisa de equipamentos e espa�o para criar seu prot�tipo.
Pouco importa sua �rea de atua��o, uma das principais caracter�sticas de um hacker � sua curiosidade insaci�vel a respeito do funcionamento de coisas e processos, associada � habilidade para aprender e construir em cima de estruturas preexistentes. Desmontar m�quinas e algoritmos, entender como funcionam e buscar corrigi-las ou melhor�-las costuma ser tanto seu playground quanto sua universidade.
A tecnologia invadiu os principais aspectos da vida contempor�nea, e a cultura hacker � o contraponto preciso a uma �poca de controle de processos e produ��o em massa. Misto de personagens de romances noir, caub�is, guerrilheiros, cientistas loucos e roqueiros, os novos her�is tem como superpoderes sua habilidade de programa��o, o que os torna coringas capazes de enganar a tecnologia e explorar brechas no sistema.
Fala-se por a� que a intelig�ncia � sexy, e programa��o n�o � f�cil. Her�is capazes de antecipar problemas costumam respeitar a intelig�ncia de seus f�s, ao mesmo tempo que desafiam suas hero�nas a mostrarem que tamb�m s�o dignas de um papel melhor que o de assistente.
A paix�o tamb�m � sexy. Cientistas loucos como os doutores Jerkyll e Frankenstein, questionando os limites do conhecimento em seus laborat�rios secretos, fascinam pela coragem. Aficionados dispostos a trabalhar por longas horas em nome de seus ideais, descuidando da apar�ncia, incapazes de se comunicar com quem n�o for da sua �rea s�o rom�nticos por defini��o. Se seguirem fielmente um c�digo moral, s�o candidatos a �dolos. Se al�m de tudo forem bem-sucedidos, mas n�o se renderem ao sistema, s�o a personifica��o do Batman.
Soma-se a isso o amadurecimento de um p�blico que cresceu lendo gibis e jogando videogames e o que se tem � uma esp�cie de geek chic, vis�vel nos remakes de filmes dos anos 50, como "Onze homens e um segredo" e "Italian Job", agora com um hacker no grupo.
De certa forma, hackers s�o os fora-da-lei do s�culo 21. Da mesma forma que os pistoleiros do Velho Oeste ou os mafiosos do s�culo 20, seu poder � perigoso, e seu status, m�tico.
Satoshi Nakamoto, Bradley Manning, Edward Snowden e Julien Assange resolveram usar seus poderes para fazer justi�a com as pr�prias m�os em um processo controverso, individualista e ilegal, mas que tem, a princ�pio, um motivo nobre.
Vistos como uma esp�cie de vingadores contra o capitalismo e a vigil�ncia da rede, anti-her�is est�o cada vez mais populares na cultura pop. As demandas da sociedade contempor�nea s�o t�o opressivas, que h� uma certa simpatia com rela��o ao oprimido, mesmo que ele seja evidentemente mau, como os protagonistas das s�ries Dexter e Breaking Bad.
Boa parte das hist�rias de hackers acontece em um g�nero chamado Cyberpunk, de alta tecnologia e baixa qualidade de vida, em que o futuro est� mais para Blade Runner e Matrix do que para Star Trek.
Surgido nos anos 80, �poca em que se temiam as incertezas da Guerra Fria, os poderes crescentes das corpora��es multinacionais, a influ�ncia da m�dia e as consequ�ncias da urbaniza��o e polui��o, eles viam no infinito do ciberespa�o a �ltima fronteira inexplorada.
Trinta anos depois, o ciberespa�o j� n�o � t�o livre nem inocente, e a figura do pirata desbravador se torna novamente necess�ria.
Mas n�o se pode esquecer que todo super-her�i tem seus arqui-rivais, e que o efeito de cada ferramenta depende das inten��es de seus usu�rios. Nas m�os de criminosos, t�cnicas de hacking s�o perfeitas para extors�o, humilha��o p�blica, interrup��o de processos, roubo de propriedade intelectual e espionagem.
Hacking, enfim, n�o � solu��o nem problema. � uma nova condi��o, que poder� trazer grandes poderes, desde que acompanhados de grandes responsabilidades.
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