� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Trabalhar demais saiu de moda
Houve uma �poca que eu era doente.
Minha doen�a, num neologismo criado agora: "workaholicite".
Ou seja, eu era um "trabalh�latra."
N�o entendeu?
Ok: eu n�o conseguia ficar sem trabalhar, o trabalho era, mais que um v�cio, uma doen�a mesmo, que me fazia trabalhar muito mais do que o indispens�vel, permanecer na reda��o dos jornais pelos quais passei bem al�m do tempo necess�rio e/ou razo�vel e em casa continuar ligado na mat�ria prima do meu trabalho, a informa��o, e dos momentos de lazer extrair a estranha satisfa��o de, mesmo ali, fazer algum trabalhinho extra, fosse uma cr�tica de cinema, um coment�rio sobre um show, a avalia��o de um livro, a descri��o do desfile de uma escola de samba.
Quando sa�a de f�rias, nos �ltimos dias de �cio come�ava a ficar aflito, louco para voltar ao batente, como que numa crise de abstin�ncia.
Eu n�o sabia que era doente, vim a saber muito tempo depois, ap�s quase 30 anos levando essa vida, quando o corpo e a mente cobraram uma conta cruel, no meu caso na forma de uma grande depress�o —a conta de muitos colegas de comportamento semelhante ao meu foi pior: enfartes fulminantes, alcoolismo, insanidades v�rias.
De certa forma, consegui superar a doen�a, na verdade tanto a "trabalhite" quanto a depress�o, est� sob controle.
Mas nunca entendi direito os contextos e origens da primeira, ou seja, o que me levava, o que ainda leva tanta gente, a trabalhar demais, muito mais que, repito, o necess�rio e o razo�vel?
Eis que esta semana uma luz se acendeu, na forma do artigo de Lucy Kellaway, colunista do "Financial Times" e cujo texto � reproduzido no Brasil pelo "Valor Econ�mico".
O artigo � delicioso, a come�ar pelo t�tulo.
Mas, como a leitura do texto todo revela, a chamada, "Tempo demais no escrit�rio est� saindo de moda", � apenas um apelo, porque, como a pr�pria argumenta��o da autora deixa claro, ficar tempo demais no escrit�rio ou seja l� qual for o ambiente de trabalho, � mais do que uma simplesmente uma moda passando.
(Par�ntese necess�rio: est� se falando aqui de um determinado tipo de trabalhador, certo? Profissionais liberais, comunicadores, jornalistas, publicit�rios, pessoal do mercado financeiro, executivos, gente que de uma maneira ou de outra adquiriu condi��es de determinar seu pr�prio hor�rio de trabalho; o pov�o mesmo rala 10/12 horas por dia por pura necessidade, n�o por desvio de conduta...)
O que me chamou mesmo a aten��o no artigo � o resultado de uma pesquisa que a autora fez por conta de um document�rio que estava preparando, que aponta para quatro raz�es principais que levam as pessoas a trabalhar demais:
1 - Para competir com ou acompanhar o ritmo dos colegas. O que gera uma insana "rosca sem fim": um trabalha mais para acompanhar o outro que trabalha mais para acompanhar o outro e assim vai...
2 - Porque s�o ineficientes, ou seja, n�o conseguem cumprir as tarefas necess�rias no tempo devido, muitas vezes tamb�m porque se distraem demais, ficam navegando na internet e quando se d�o conta o tempo passou e precisam correr atr�s.
3 - Para vivenciar mais e mais a press�o do pr�prio trabalho, que para muitos � gratificante numa medida bem maior do que a realidade, do que a "vida l� fora".
4 - Pela manuten��o ou aumento do status. Uma vez que, segundo Lucy Kellaway, n�s somos o que fazemos, e, quanto mais fazemos, mais somos.
Interessante notar que mesmo pessoas que passam a abrir m�o do escrit�rio ou do local externo de atua��o porque seu tipo de trabalho permite que o fa�a em casa, muitas vezes acabam tamb�m trabalhando demais da conta. Talvez at� por motivos diversos dos elencados acima, como uma incapacidade de se organizar fora de um ambiente estritamente profissional ou pela sensa��o de que, como encontra-se "em casa", esteja trabalhando de menos quando na verdade j� o faz demais.
No entanto, o fato �: isso est� mudando. N�o sem tempo, como lembrou a autora do texto, a diminui��o das jornadas de trabalho foi prevista d�cadas atr�s por g�nios como sir Bertrand Russel ou John Maynard Keynes. Por�m, se hoje est� de fato acontecendo, como ela sustenta, isso ocorre surpreendentemente por um motivo que seria absolutamente prosaico se n�o fosse emblem�tico: tornou-se vulgar trabalhar demais, n�o � mais de bom tom...
Se n�o for para fugir do estresse massacrante, se n�o para melhorar a qualidade de vida, se n�o � para usufruir o tal �cio criativo do italiano Domenico de Masi, que seja por isso ent�o: vamos trabalhar menos para ficar na moda, ok?
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