� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
O amigo guarda, o guarda amigo
Quem j� foi a Mil�o, na It�lia, e visitou a galeria Vittorio Emanuele, importante ponto tur�stico localizado bem no centro da cidade, certamente os conhece. S�o policiais (carabinieri) que d�o guarda no local, mais, tamb�m eles, como atra��o tur�stica do que para fazer policiamento mesmo. S�o elegant�simos, altos, fortes, com a farda de gala impec�vel e quepes invocad�ssimos. Sorriem, d�o informa��es e atendem a pedidos dos turistas para tirar fotos, s�o cultuados pela popula��o local e t�m significado duplo em seu simbolismo: autoridade e cordialidade - na verdade, o que se espera de uma cidade civilizada.
Quem viveu o final dos anos 1960 na cidade de S�o Paulo certamente os conheceu. Eles davam guarda na entrada dos cinemas mais importantes, sempre tinha uma dupla na porta do Teatro Municipal em noites de concerto, nas reparti��es p�blicas estavam sempre por ali, altaneiros e sol�citos, n�o t�o elegantes como os Armani italianos, mas em muitos casos tamb�m eles engalanados, luvas brancas e espadim na cintura.
Eram guardas civis, integrantes de uma corpora��o t�o importante para a seguran�a da cidade quanto valorizada e querida pelos habitantes; eram o arqu�tipo do amigo guarda, ou do guarda amigo, que cumpria o papel definido pelo seu nome: guardava mesmo, a cidade e as pessoas e participavam ativamente, nem sempre em trajes de gala, claro, do dia a dia da urbe, junto ao com�rcio, aos eventos esportivos e culturais, policiando pra�as e ruas, sempre dispon�veis � popula��o.
A "guarda civil" municipal que h� hoje na cidade de S�o Paulo, ostensiva e repressora, n�o � nem um arremedo do que havia na cidade 50 anos atr�s; trata-se, isto sim, de uma imita��o mal desenvolvida, e com os mesmos v�cios militaristas, da Pol�cia Militar do Estado.
Numa reforma promovida em 1970, tempos da ditadura militar e por ela fortemente apoiada (com a retaguarda do famigerado AI -5), a Guarda Civil de S�o Paulo foi extinta. Seus quadros ou aderiam ao novo status quo e mudavam-se para a For�a P�blica (que virou PM) ou prestavam concurso p�blico para tornar-se detetive, escriv�o ou delegado da Pol�cia Civil. Ou mudavam de ramo.
Tenho um primo que adorava ser Guarda Civil, era querido no bairro e tinha orgulho de ostentar a bela farda azul-marinho com bot�es dourados. Ele se recusou, como disse � �poca, a "virar meganha", tornou-se primeiro escriv�o e depois advogado, era cordial e prestativo demais para as novas fun��es.
Porque a Pol�cia Militar n�o seguia, tampouco segue, a mesma l�gica de prioritariamente guardar a cidade e os cidad�os. Obedecia, e de alguma maneira ainda obedece, � l�gica dos militares que estavam no poder central e comandavam de maneira tentacular Estados e Munic�pios. Ou seja, a pol�cia tinha mais � que "proteger" o regime daqueles que significavam algum tipo de amea�a ao que eles chamavam de "ordem p�blica": a ordem que garantia a manuten��o do regime, que era antidemocr�tico, repressivo, desrespeitava o estado de direito, prendia, torturava e tudo o mais que se sabe.
Passados 30 anos da redemocratiza��o do pa�s, a Pol�cia Militar dos Estados, em maior ou menor escala, segue sendo a institui��o que mais guarda semelhan�a com as pr�ticas do passado, pautadas na for�a e na extrapola��o de suas fun��es.
A de S�o Paulo (e a do Rio tamb�m...) � exemplar. Independentemente dos bons e profissionais quadros que existem em suas fileiras, predomina a sensa��o de tudo poder, de impunidade, a pr�tica de reprimir primeiro para perguntar depois, a arma sempre pronta para entrar em a��o. As exce��es s�o realmente isso, exce��es.
Mas a favor PM de S�o Paulo deve-se dizer que ela tem terreno f�rtil para agir como age porque frequentemente � colocada em situa��es para as quais n�o est� preparada, nem deveria, como lidar com alunos adolescentes de escolas p�blicas. O resultado � o esperado e o que se tem visto fartamente nos �ltimos dias: porrada, bombas, pris�es. � isso que ela faz h� d�cadas e o que vai continuar fazendo porque n�o sabe fazer de outro modo: repress�o e trucul�ncia, correspondendo ali�s � expectativa da parcela mais conservadora da popula��o para quem uma ordem, assim gen�rica, tem que ser mantida a qualquer custo. Na mesma l�gica de que "bandido bom � bandido morto".
Distante, portanto, muito distante do tempo em que havia o guarda da rua, que era chamado pelo nome e sabia o nome dos moradores a quem deveria proteger e guardar.
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