� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Pobre Simone de Beauvoir...
Trevas, obscurantismo, reacionarismo ou estultice, burrice, mesmo.
A que atribuir a vergonhosa e falsa controv�rsia que se criou em torno da participa��o involunt�ria da filosofa Simone de Beauvoir (1908-1986) na prova do Exame Nacional do Ensino M�dio?
Como dissimular o engulho diante de tanta besteira que se perpetrou a respeito de uma das frases mais lindas da intelig�ncia humana ("Ningu�m nasce mulher, torna-se mulher"), que foi inserida na formula��o de uma das quest�es do Enem?
Como � poss�vel n�o entender que se trata de uma elegia da condi��o feminina e de suas conquistas e direitos; uma exalta��o da beleza do crescimento individual e coletivo das mulheres na constru��o da modernidade?
Modernidade...
Imbecilidade � mais conveniente, no caso.
N�o h� outra maneira de classificar, por exemplo, a a��o de vereadores da valorosa cidade de Campinas que aprovaram uma "mo��o de rep�dio" ao Minist�rio da Educa��o por ter inclu�do o trecho do livro de Beauvoir, "O Segundo Sexo", no exame.
A proposta foi do vereador Campos Filho (DEM), logo apoiada pela maioria de seus pares, que tomou a decis�o de pedir a anula��o da quest�o porque, a seu ju�zo, ela "afronta esse conjunto de fundamentos jur�dicos e o pr�prio Estado Democr�tico de Direito", pasme!.
Disse mais o nobre edil: "Foram buscar informa��es com uma fil�sofa l� em mil trocentos e pouco para impor a n�s a discuss�o de g�nero. Como pode algu�m ser um homem de manh� e mulher � noite? Dizem que isso acontece porque as pessoas sentem uma puls�o. Mas eu digo: � preciso tomar cuidado com essa puls�o, porque isso pode te levar para cadeia."
Que beleza de racioc�nio, n�o?
Claro e transparente, afinal conceitos formulados no long�nquo 1949 (ano da primeira edi��o do livro de Beauvoir) s�o arcaicos demais para serem levados a s�rio.
N�o � mesmo, Plat�o, S�crates, Descartes, Pascal, Emerson, S�o Tom�s de Aquino, Hobbes, Rousseau?
Se � assim, e para corresponder �s inovadoras expectativas do caro vereador, vamos apelar a um "pensamento" contempor�neo. Que tal a pensata do not�rio pastor-deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que ao lado de Jair Bolsonaro (PP-RJ) constitui vanguarda do atraso no parlamento brasileiro.
Eis o que postou em sua p�gina no Facebook para formar e informar desavisados a respeito de "quem foi Simone de Beauvoir": "Simone era filha mais velha de uma fam�lia que embora fosse rica ficou pobre. O pai de Simone teve duas filhas mulheres, e seu pai queria que ela tivesse nascido homem. (...) Simone come�ou a estudar pra substituir a falta de 'dote', ao mesmo tempo que assumiu uma postura MASCULINA como forma de se sentir superior e psicologicamente aceita, pois agir como homem a fazia sentir estar agradando ao pai. Simone se tornou escritora e criticava a burguesia de onde ela saiu. Saiu porque seu av� banqueiro perdeu tudo, ficou pobre e tiveram que voltar a trabalhar. A cr�tica de Simone era por ter sido rejeitada. Era um tipo de vingan�a contra a burguesia com sentimentos de rejei��o, �dio e inveja. O ENEM colocou na prova um texto de uma MULHER com problemas emocionais e psicol�gicos e quer convencer milh�es de alunos a n�o aceitar sua condi��o natural de MACHO ou F�MEA. (...)"
Ao reler palavras t�o esclarecedoras, com o deputado caprichando nas mai�sculas para que a gente n�o deixe de captar nada do essencial, me pergunto: a anencefalia demonstrada acima deve ser considerada problema emocional ou psicol�gico?
Enquanto permanece a d�vida, talvez seja o caso de recorrer a quem de fato entende do assunto, como o matem�tico John Nash, que ganhou um Nobel apesar de maluquinho da silva (lembram do filme "Uma Mente Brilhante"?), ou a sir Isaac Newton, que descobriu a lei da gravidade mesmo tendo o que hoje se chamaria de transtorno bipolar, ou ainda ao fil�sofo Immanuel Kant, que seria atualmente classificado como leg�timo portador de transtorno obsessivo compulsivo, tal sua mania exagerada de pontualidade –acertava-se o rel�gio pelos seus h�bitos, afirma-se.
Ou talvez quem sabe devamos recorrer a Beethoven, Van Gogh, Caravaggio, Genet, Rimbaud, Edgard Alan Poe, Ernest Hemingway, Tennessee Williams e tantos outros que, "apesar" de suas obras seminais para a cultura e a sabedoria t�o escassas ultimamente, saberiam explicar com propriedade do que se trata "problemas emocionais e psicol�gicos".
Caro vereador, caro deputado, � a sua "normalidade" que nos assusta, n�o a genialidade de Simone de Beauvoir...
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