� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Depress�o, a visita da 'velha senhora'
Um amigo querido � quem chama a depress�o de "velha senhora". Praticamente uma bruxa, feia, malcheirosa, cabelos amarfanhados, maltrapilha, unhas sujas e exageradamente grandes, dentes ruins, h�lito horroroso.
— E de repente sentiu na nuca o h�lito f�tido e g�lido da velha senhora...
Escrevi esta frase tempos atr�s, inspirado naquele amigo; faria parte, a frase, de um livro que nunca foi finalizado; h� partes, trechos, excertos e uma pregui�a (ou recusa...) imensa de ir em frente.
A ideia do livro surgiu quando estava no auge da depress�o, e me convenci de que uma das t�ticas imprescind�veis para enfrentar esta doen�a � falando sobre ela -o que tenho feito, na verdade, inclusive aqui neste espa�o com frequ�ncia.
Mas, naquele momento de dor e ang�stia, escrever sobre "aquilo" seria como limpar a cela em que estava sendo torturado -este pensamento s� surgiu tamb�m tempos depois, porque quando voc� est� deprimido de verdade, dificilmente formula frases supostamente criativas como esta...
O fato � que � medida que fui me afastando dos eventos mais intensos da depress�o -numa par�bola que come�ou l� para 1998/99 e vem at� hoje, com o "melhores momentos" acontecendo entre 2002 e 2006-, mais fui desanimando da ideia de um-livro-na-primeira-pessoa-sobre-depress�o.
No entanto, acredito que compartilhar experi�ncias, acompanhar os novos tratamentos, estimular o autoconhecimento sejam pr�ticas que ajudam a quem possa estar enfrentando o problema e a mim mesmo, uma vez que as visitas da "velha senhora" prosseguem, embora esparsas. Mas prosseguem, e imagino que terei de conviver com elas para sempre...
Fui diagnosticado como deprimido, com caracter�sticas de transtorno bipolar, pelo dr. Jair Mari, excelente m�dico, professor da Unifesp e grande cara, quando o procurei, em 1998, porque estava bebendo demais. Morava no Rio, tinha um �timo emprego, uma boa vida, casamento ok, amigos bacanas, aquela cidade encantadora, mas... Mas, de uma hora para outra, em vez de me encantar e continuar a me envolver com a alegria dos sambas e tais, comecei a ficar mais para "tristeza n�o tem fim/felicidade sim...", e nem sabia por qu�.
Ficava triste a maior parte do tempo, ang�stia tremenda, pensamentos repetitivos, ansiedades, medos inexplic�veis, incapacidade de concentra��o, inapet�ncia sexual, irritabilidade extrema, sono, muito sono intercalado com noites em branco; e a bebida estava ali como a falsa amiga que te aconselha certo na hora errada. Ou errado na hora certa, sabe-se l�...
Depois de algumas sess�es com o dr. Jair, o veredicto: voc� n�o � alco�latra, voc� est� deprimido e precisa se tratar.
Grande merda, pensei, pelo menos encher a cara � algo que as pessoas conhecem e �s vezes entendem e no geral toleram, principalmente no meio em que vivia. Mas, depress�o? Ningu�m sabia (ser� que hoje sabe?) direito o que �, como explicar isso pras pessoas na virada do mil�nio, quando, sim, ela j� se definia como a doen�a da modernidade, mas permanecia envolta em desconhecimentos, ignor�ncias e preconceitos, e "rem�dio de tarja preta" era (ser� que n�o � mais?) sin�nimo de fraqueza e/ou fracasso social?
Por conta desse desentendimento, do medo e da culpa, os primeiros tempos foram de retra��o, sofria escondido, tentava fazer de conta que as coisas estavam bem e procurava levar a vida.
Mas as coisas n�o estavam, a vida n�o ia, e assim foi-se um casamento de 13 anos, um trabalho de 21 anos, entre outras perdas e danos. Abrindo-se, no entanto, uma avenida de possibilidades de reconstru��o, mesmo porque estava tudo destru�do � minha volta.
Seguiram-se anos de busca, tratamentos insist�ncia, vit�rias, derrotas, muita informa��o nova foi surgindo (sobretudo e principalmente por meio do livro "O Dem�nio do Meio e Dia - Uma Anatomia da Depress�o", de Andrew Solomon, uma obra fant�stica, esclarecedora), e pude perceber que o universo de pessoas com as quais eu me identificava -e que se identificavam com meus relatos- era infinitamente maior do que se supunha, do que eu imaginava e do que a pr�pria sociedade admitia -afinal, somos uma sociedade em � preciso vencer sempre, certo?
Ser deprimido no pa�s da alegria � fogo...
A experi�ncia na pele dos �ltimos dez anos (e contando...) mostrou tr�s realidades muito significativas: foi poss�vel perceber que, se n�o consegue curar inteiramente seu transtorno, voc� pode mant�-lo sob controle e conviver razoavelmente bem com seus sintomas; que aumentou significativamente o n�mero de subst�ncias �s quais se pode recorrer para os tratamentos (desde a fluoxetina at� a venlafaxina, passando por paroxetina, citalopran, certralina, bupropiona e outras), assim como constatou-se que o suporte psicol�gico com terapia da palavra � n�o apenas satisfat�ria, mas fundamental na estrat�gia do enfrentamento dos dias mais "nublados" e tenebrosos. E que j� se pode falar mais abertamente da depress�o sem que a pessoa � sua frente desvie o olhar ou olhe para voc� como se estivesse a caminho do cadafalso, com pena e comisera��o, sen�o com desprezo.
Sim, a "velha senhora" ronda, vai e volta e ok que ela teime em fazer suas visitas peri�dicas. O importante � aprender a detectar os sinais da sua aproxima��o, perceber quando ela se prepara para atacar, imiscuindo-se, e fortalecer as portas e janela da "casa".
Afinal, esta � a �nica casa que temos para habitar...
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Para conhecer um pouco mais sobre o tema, sugiro a leitura destes textos em que a depress�o foi tratada aqui neste espa�o:
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade