� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Horrores contempor�neos
1 - Por conta dos conflitos nas praias do Rio de Janeiro no �ltimo fim de semana, dentre as muitas manifesta��es que pulularam na internet se destacou um v�deo dos anos 90, uma reportagem da TV Manchete em que uma mo�a de seus 18 anos destilava um ros�rio imenso de preconceitos contra a gente "sem educa��o" que invadia sua praia no fim de semana.
A reportagem tratava da superlota��o das praias cariocas, e a tal mo�a n�o tinha d�vida de que a culpa era dos favelados e suburbanos que procuravam se divertir no fim de semana, o que a enchia de "vergonha".
Entre outras p�rolas, ela disse: "Tenho horror de olhar estas pessoas mal educadas e pensar que elas s�o do mesmo pa�s que eu" (...) "N�o s�o brasileiros, n�o, uma sub-ra�a" (...) "N�o pode tirar o pessoal do M�ier, do Mangue e levar � praia em Copacabana".
Disse mais, coroando seu discurso de �dio com a conclus�o de que se deveriam fechar as praias para quem n�o pudesse pagar para entrar...
Mesmo se tratando de um v�deo antigo, causou pol�mica. N�o tanto, ou menos mal, do meu ponto de vista, por causa das pessoas que se indignaram com ideias t�o odiosas, racistas e totalit�rias saindo da boca de uma jovem bem articulada e bonita. N�o, o pior foram os coment�rios favor�veis aos desatinos verbais da jovem, como se a solu��o mesmo fosse proibir a praia aos pobres, pretos e afins, como se somente a classe m�dia "educada" tivesse direito ao lazer do fim de semana, como se fossem, de direito e n�o apenas de fato, dois povos e dois pa�ses.
A coisa acabou fazendo tanto barulho que a mo�a, hoje com 47 anos e identificada como �ngela Moss felizmente veio a p�blico e postou um coment�rio no site em que seu v�deo foi veiculado. Disse o seguinte: "Infelizmente era eu neste v�deo, quando tinha 18 anos. Eu era uma crian�a retardada e com pouco conhecimento. Mesmo culta, era alienada. (...) Quando na elei��o da Dilma eu escrevi um manifestou dizendo que havia sido de ultra direita, muita gente n�o acreditou. O Olavo de Carvalho, fil�sofo como eu, come�ou como comunista e virou o que � agora. Eu fiz o caminho contr�rio. Se tenho vergonha? (...) Tenho orgulho de ter podido evoluir. (...) Fico feliz que pessoas como voc�s fiquem indignadas com esse v�deo, o que me perturba mesmo s�o as muitas que escreveram me parabenizando. (...) N�o h� como negar: essa � a face triste de uma sociedade sem compaix�o e ego�sta e, sim, um dia j� foi a minha face. (...) "
*
2 - Bolsonaro � um sobrenome italiano. Como o meu. O meu � do V�neto, Norte da It�lia, onde nasceu meu av�. Bolsonaro � provavelmente da Toscana, regi�o centro-norte.
Desconhe�o a trajet�ria dos Bolsonaro entre a It�lia e o Brasil. Mas certamente participaram de um dos fluxos migrat�rios por meio dos quais italianos fugiam da fome, da mis�ria, da morte. No Norte dos meus av�s, na virada do s�culo 19 para o 20, havia mal�ria, tifo, escorbuto, peste e outras doen�as t�picas de lugares sem �gua tratada, saneamento, rem�dios, assist�ncia. Comia-se polenta (da� o apelido de "polentones" dado aos do V�neto...) e o que se catava nos bosques, ca�a, cogumelos e afins.
No centro-norte dos Bolsonaro n�o devia ser muito diferente.
Assim como os de outras nacionalidades, os italianos que migraram para o Brasil foram acolhidos, encontraram trabalho, constitu�ram fam�lias, fincaram ra�zes.
Ralaram muito, � claro, meu av� trabalhou na ro�a puxando arado para criar 11 filhos, meu pai, analfabeto, foi mec�nico no ch�o de f�brica para criar tr�s, dando a mim recursos para estudar, me formar, tornar-me jornalista –fui o primeiro membro "letrado" da fam�lia...
Mas, assim como os Bolsonaro de antigamente, os Caversan (na verdade Caverzan) tiveram um porto seguro no Brasil, passaram a fazer parte da grande fam�lia brasileira, que � italiana, portuguesa, libanesa, s�ria, japonesa, grega, su��a, alem� e de tantas outras nacionalidades que, em meio � desgra�a e ao sofrimento, aqui conseguiram a acolhida redentora, quando outros pa�ses do seus continentes, e em alguns casos o seu pr�prio pa�s, os tratavam como esc�ria.
Ter� sido esse o motivo de o deputado Jair Bolsonaro ter chamado os refugiados que se espalham mais e mais e chegam, em pequena parte, ao Brasil, de "esc�ria do mundo"? Ele estaria, se ent�o pudesse, ao lado dos que, na It�lia daqueles tempos, queriam mais que os pobres e desvalidos fossem embora mesmo, ainda que sendo membros de sua pr�pria fam�lia?
O parlamentar chamou os refugiados de "esc�ria do mundo" numa entrevista ao rep�rter Frederico Vitor, do jornal "Op��o" de Goi�s. Claro que levou uma saraivada de cr�ticas, o que � comum em sua trajet�ria de intransig�ncias, intoler�ncias e preconceitos, mas neste caso procurou dizer-que-n�o-disse, ou melhor, que se expressou mal...
Mas, na mesma entrevista, o deputado afirmou com todas as letras: quer que a presidente Dilma deixe seu posto, "infartada, com c�ncer ou de qualquer outra maneira".
Disso ele n�o se retratou...
*
3 - Terminei de ler numa tacada, e recomendo muito, o mais recente livro de Marcelo Rubens Paiva, "Ainda Estou Aqui" (Editora Alfaguara, 295 p�ginas). Trata-se de relato biogr�fico, cujo fio condutor � a m�e do autor, Eunice Paiva, que foi dona de casa, que casou-se com o empres�rio Rubens Paiva, que viu seu marido ser eleito deputado, ser cassado, ser preso em sua pr�pria casa; que foi presa, que conviveu com o desaparecimento do marido, que lutou d�cadas para procurar esclarecer os detalhes do que veio a se comprovar como o assassinato de Paiva pelas for�as da repress�o que se seguiu ao golpe militar de 1964, que manteve e sustentou a fam�lia de cinco filhos, que estudou direito, que se formou advogada, que se dedicou a in�meras causas sociais e que, passando j� dos 80 anos, enfrenta os terr�veis sintomas do Alzheimer, que a acomete atualmente.
� um livro tocante, registro hist�rico necess�rio de uma vida de luta, sofrimento e dignidade.
E mais: o livro agrega documentos que d�o conta de que Rubens Paiva foi assassinado nas depend�ncias do Ex�rcito no Rio de Janeiro em decorr�ncia de uma sess�o de tortura praticada pelo ent�o tenente Ant�nio Fernando Hughes de Carvalho, segundo depoimento do coronel da reserva Armando Av�lio Filho.
Traz tamb�m reprodu��o de depoimentos de outros militantes, um deles digno de registro, porque � exemplar, d� toda a dimens�o do ponto a que pode chegar a banaliza��o do mal, a displic�ncia e naturalidade com que o horror � tratado por quem o pratica.
Veja o que disse ao Minist�rio P�blico Federal o ex-militar e integrante das for�as de repress�o Riscala Corbage, conhecido nos por�es pela alcunha de Dr. Nagib, garantindo que em suas m�os nunca morreu ningu�m:
"Pau de arara? O cara n�o queria mais, era muita dor... As vezes eu era chamado para a sala do ponto, a primeira sala, era a sala terr�vel, a sala mais terr�vel, at� o diabo, se entrasse ali, saia em p�nico. Eu chegava e falava: "Zairo, voc� quer descer do pau de arara?". Ele dizia: "Quero!". Mas voc� vai conversar legal comigo? Vou mandar te levar para uma outra sala, tu vai sentar, vou te dar �gua, mas n�s vamos conversar legal. Agora eu tenho dados que voc� deve me dizer de outras pessoas que te indicaram, se voc� n�o me disser, voc� vai voltar para a sala do ponto. ()".
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade