� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Eu, voc� e o menino na praia
�ramos todos chamados de turquinhos.
Eu era italianinho, na verdade, mas por conta da pele morena e do nariz adunco, heran�a do av� portugu�s do Algarves descendente de mouros, era turquinho tamb�m, embora n�o devesse ser: turco n�o � �rabe, n�o tem nada a ver com mouros ou s�rios.
E s�rios eram grande parte dos meus amiguinhos quando eu tinha seis, sete anos. Filhos de comerciantes de m�veis e roupas que moravam naquele peda�o da zona leste de S�o Paulo, eles, os turquinhos na verdade s�rios, eram muitos, e como n�s outros, descendentes de portugueses, italianos, espanh�is, russos, japoneses, alem�es, poloneses, libaneses, gregos, h�ngaros, checos e judeus de diversas origens, form�vamos a babel de uma S�o Paulo que a todos acolhia, que vinha acolhendo h� tempos, e assim continuava, inclusive os irm�os nordestinos que chegavam ent�o (anos 1950/1960) aos magotes, fugindo da seca.
Primeira, segunda, terceira (meu caso) gera��o de imigrantes, �ramos todos brasileiros, paulistas, sem discrimina��o cant�vamos ombro a ombro o Hino Nacional na fila da escola no Sete de Setembro.
As diferen�as de origem, j� passados mais de 10 anos do fim da Segunda Guerra, ressurgiam apenas nas conversas de botequim e nas eventuais desaven�as entre os da mesma nacionalidade: bascos xingavam os catal�es que provocavam os galegos, enquanto o veneziano (meu av�) insultava o napolitano que n�o suportava os calabreses, ao passo que os lisboetas esnobavam os a�orianos que se desentendiam com os da Madeira. Mais bate boca do que outra coisa...
Mas estavam todos aqui, muito pobres, remediados, alguns j� bem sucedidos, lutando dia ap�s dia, ralando nas oficinas do Bel�m, nas marcenarias do Br�s, no com�rcio do Bom Retiro, nas feiras livres, quitandas, padarias...
Est�vamos todos aqui porque o Brasil aceitou os nossos av�s e pais, n�o nos deixou � deriva.
Est�vamos todos aqui porque os navios sujos, f�tidos, infestados de parasitas nos por�es da terceira classe em que viajaram europeus, asi�ticos e os provenientes do oriente m�dio puderam aportar em Santos, e eles subiram a serra, foram triados ali no controle de imigrantes da Mooca, seguiram para as lavouras do interior ou para o ch�o das f�bricas da S�o Paulo que n�o podia parar, se estabeleceram, ganharam cidadania, aumentaram a fam�lia, morreram, nasceram, se misturaram.
E estamos todos aqui, brasileiros.
Voc� a�, que torce o nariz ou posta ofensas aos haitianos, bolivianos ou coreanos que estamos recebendo, qual o seu sobrenome? Oliveira, Rossi, Haddad, Schultz, Honda, Silva, Bianchi, Jorge, Bergman? Brasileiro da gema, n�? H�, h�.
Tinha prometido a mim mesmo n�o tocar no assunto do menino da praia (veja sua hist�ria e da sua fam�lia no fim deste texto...), porque certamente iria ter de enfrentar xenofobia, ignor�ncia e intoler�ncia dos que se consideram escolhidos, donos da verdade e desta terra aqui.
Mas, vamos l�, porque estes jamais ir�o entender mesmo que esta terra s� � sua hoje porque, a n�o ser que sejam descendentes diretos de Arariboia ou Potira, um dia seus antepassados foram acolhidos, respeitados, salvos.
Salva��o que n�o teve o menino da praia, aquele, cuja imagem chocou e tem mais � que chocar mesmo, merece virar um �cone assim como virou s�mbolo a da menina correndo com o corpo queimando no napalm do Vietn�, lembra?
A foto do menino que n�o estava brincando na praia � a porrada que precisava ser dada para que o mundo passe a ser visto de outra maneira, que as fronteiras, ao menos as mentais e ideol�gicas, sejam relativizadas e que a velha e caqu�tica Europa, mais uma vez, e que sejam mil vezes, confronte seus nacionalismos p�rfidos, suas desigualdades hist�ricas e sua voca��o para a eugenia.
N�s, brasileiros, n�o precisamos ser assim.
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Ali�s e a prop�sito, reportagem da BBC Brasil informa que, "segundo dados do Conare (Comit� Nacional para os Refugiados), �rg�o ligado ao Minist�rio da Justi�a, 2.077 s�rios receberam asilo do governo brasileiro de 2011 at� agosto deste ano". O n�mero � superior ao dos Estados Unidos (1.243) e ao de pa�ses no sul da Europa que recebem grandes quantidades de imigrantes ilegais –n�o apenas s�rios, mas tamb�m de todo o Oriente M�dio e da �frica.
Podemos, com generosidade, dar uma li��o para o mundo? A conferir...
*
Sobre o garotinho que tantas l�grimas arrancou por a�, reproduzo o post que a amiga e jornalista Maria Brant publicou no Facebook, compilando informa��es de diversos jornais europeus e do Canad�:
"O nome do menininho era Aylan e ele tinha tr�s anos. Seu irm�o, Galip, tinha cinco. Eram filhos de Rehan e Abdullah Kurdi, curdos da cidade de Kobane, na S�ria. Eles fugiram de Kobane ap�s a cidade ser tomada pelo ISIS (Estado Isl�mico) em junho, por raz�es �bvias. Como muitos em sua situa��o, n�o conseguiram tirar passaportes antes de fugir, tamb�m por raz�es �bvias.
Conseguiram chegar � Turquia. Entraram, ent�o, com um pedido de visto de imigra��o G5 para o Canad�. Para vistos G5, o Canad� exige que algum cidad�o canadense 'patrocine' o pedido. Abdullah tinha uma amiga, Teema, que imigrara para o pa�s havia mais de vinte anos, e ela aceitou patrocinar o pedido de sua fam�lia. O visto de Abdullah e sua fam�lia foi negado. Mas Teema insistiu. Procurou um vereador da cidadezinha onde morava, que se sensibilizou com o pedido e entregou a documenta��o da fam�lia em m�os ao ministro canadense de Cidadania e Imigra��o, Chris Alexander. Alexander disse ao vereador que examinaria o caso, mas nem o vereador, nem Teema, nem Abdullah tiveram mais not�cias sobre o pedido.
Ao chegar na Turquia, como muitos em sua situa��o, Abdullah e sua fam�lia tinham pedido que a ONU lhes concedesse o status de refugiados. Se conseguissem, teriam direito a um passaporte de refugiado e, assim, passariam a 'existir' oficialmente e, portanto, a ter direitos. Mas a ONU lhes negou o pedido (n�o sei os detalhes deste caso espec�fico, mas, muitas vezes, o status de refugiado � negado quando fam�lias n�o conseguem provar oficialmente que s�o perseguidas –no caso, como Kobane n�o estava tomada 'oficialmente' pelo ISIS, talvez eles tenham tido dificuldade em provar sua situa��o).
A fam�lia tinha pedido tamb�m � Turquia que lhes concedesse um visto de sa�da. Assim, poderiam tentar emigrar para outro pa�s europeu. Mas a Turquia lhes negou o visto de sa�da porque eles n�o tinham passaportes v�lidos. Eles n�o tinham, portanto, como sair do pa�s em nenhum meio de transporte que parasse num posto de fronteira. Ou seja, n�o podiam pegar trens, navios, �nibus ou avi�es.
Decidiram, ent�o, com outras pessoas em situa��o semelhante, ir num barquinho para a ilha de Kos, na Gr�cia –onde provavelmente tentariam de novo imigrar oficialmente, conseguir status de refugiados ou um visto de sa�da. N�o conseguiram chegar.
Al�m de Aylan, Galip e Rehan, oito pessoas que estavam no barco morreram afogadas. Abdullah diz que agora s� quer voltar para Kobane, para poder enterrar oficialmente seus filhos e sua mulher."
Ele conseguiu enterrar sua fam�lia na sexta-feira...
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Voc� quer fazer alguma coisa em favor dos refugiados? D� uma olhada aqui.
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