� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Hoje eu enterrei minha irm�
Hoje eu enterrei minha irm�.
Literalmente.
Minha irm� mais velha morreu aos 73 anos.
Relativamente nova para os dias de hoje.
Mas, n�o, ela estava doente, acabada, com o cora��o trabalhando insuficientemente e os pulm�es detonados pelo cigarro.
Mas n�o culpo o cigarro apenas, em seis anos ela perdeu o marido e o filho, e isso acabou com ela; sucumbiu ao peso da pr�pria exist�ncia.
O cora��o pifou e o pulm�o empurrou para baixo, cada vez mais. Para o t�mulo.
Ela morreu em casa, dormindo, o passamento foi constatado pela acompanhante �s 7h, mas deve ter ocorrido duas horas antes, sem choro e sem esgares.
Eu cheguei � casa dela por volta das 10h e a vi na cama, o rictus cadav�rico implac�vel: n�o era mais minha irm� que um dia foi linda e charmosa, sorriso largo e cativante de morena jambo. Era um trapinho de gente que estava ali, pele sobre osso, rosto retorcido.
Eu e uma prima querida cuidamos da burocracia, infernal, chama m�dico, liga pra funer�ria, vai pro cart�rio, n�o � naquele (a morte tem jurisdi��o...), vai pro outro, paga taxa na prefeitura, funcion�rios indolentes, marca cemit�rio...
Eu n�o queria de jeito nenhum vel�rio a noite toda, um absurdo inventado no tempo em que se precisava ter certeza de que o morto estava morto e ficava todo mundo velando. Hoje isso � um castigo e uma tortura para os familiares, como ela morreu por volta das 5h seria poss�vel sepultar �s 17h.
Mas era preciso correr com a documenta��o e os procedimentos todos para dar tempo. E corrermos e arrumamos papel e pagamos taxas exorbitantes (R$ 987 pelo "aluguel" de um buraco na terra por tr�s anos num terreno municipal...) e mais caix�o e isso e aquilo.
Quando tudo estava resolvido e finalmente a funer�ria poderia recolher o corpo, n�o daria mais tempo para preparar o f�retro no local adequado.
N�s mesmos tivemos, com toda a dificuldade e com a emo��o imagin�vel, de trocar sua roupa na cama em que morreu e colocar o corpo no caix�o, eu, sobrinho, primas, a outra irm�, todos uns anjos.
Tudo isso para correr para o cemit�rio, onde ela baixou � sepultura no �ltimo minuto do tempo permitido pela lei. Nem deu tempo para flores.
Como disse, minha irm� Ivone j� estava muito doente, e cinco meses atr�s ficamos sabendo que sua morte era quest�o de (pouco) tempo, ainda mais que ela, apesar de tudo, continuava fumando um ma�o de cigarros por dia, n�o conseguiu diminuir de jeito nenhum, quanto mais parar.
N�o foi inesperado, mas com a fun��o toda deste dia nem deu tempo para muita reflex�o.
Agora, passadas poucas horas disso tudo, senti a necessidade do desabafo: enterrei a minha irm�, caramba!
N�o era mais a irm�, esta j� tinha ido embora em parte quando o marido morreu seis anos atr�s, o restante quando o filho sucumbiu ao alcoolismo tr�s anos depois; n�o sei como ela ainda conseguiu sobreviver por tr�s anos com, sei l�, 0,5% de energia que lhe restava...
Ao longo de todo o p�riplo de hoje lembrei de todos os momentos bons e ruins que compartilhamos, mais ruins do que bons na idade adulta, mais bons do que ruins na inf�ncia, da qual recordei com emo��o.
Qual o resumo disso tudo?
Bem, fiz o que deveria ser feito.
Ponto.
E � assim que a vida se me apresentou hoje: crua, implac�vel, devastadora, burocr�tica, feia e triste.
Mas ela n�o � s� isso, e vendo cara a cara o fim que nos espera ali no rosto macilento de minha irm�, mais do que nunca ele, o fim, pareceu justificar os meios.
H� que se viver muito, bem, intensamente, honestamente, amorosamente antes de virar p�.
Foi o pensei hoje, quando enterrei minha irm�.
Mas n�o tenho certeza...
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