� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Da dor e da del�cia de ser pai - e av�...
Numa cena extremamente comovente, o escritor Marcelo Rubens Paiva chorou durante uma sess�o da Feira Internacional do Livro em Paraty, na qual ele lia uma cr�nica sobre o caso do desaparecimento do deputado Rubens Paiva, seu pai, v�tima da ditadura militar, d�cadas atr�s.
Conhe�o Marcelo h� mais de 20 anos e sei que ele n�o � disso, ao contr�rio de n�s descendentes de italianos, n�o � de chorar assim, ainda mais diante de uma plateia. Mas ele justificou a emo��o transbordante ao referir-se ao pai ausente: "� que eu acabei de ser pai".
Quem � pai, - mas pai mesmo, daqueles que sabe a del�cia e a dor de por no mundo um ser e dele cuidar e por ele ser respons�vel e com ele se preocupar pelo resto da sua vida - sabe o que Marcelo quis dizer e qual a raz�o de sua emo��o.
A profunda, metaf�sica e transcendental experi�ncia de ser pai, que eu tive a oportunidade de parcialmente reviver dois anos atr�s com o nascimento do meu neto, � uma das mais tocantes d�divas da natureza.
Ou n�o, afinal tem pai que n�o est� nem a�, tem pai cujo sentimento de paternidade � t�o ausente que � capaz de deixar o filho ir brincar na jaula do tigre e perder o bra�o...
Mas estes pais n�o contam, estes, para quem seus filhos n�o s�o mais importantes do que sua pr�pria vida, ter�o passado pela vida sem de fato viv�-la.
Na verdade, este introito todo aqui � apenas uma desculpa para que eu possa voltar a um texto que escrevi quase 10 anos atr�s, em mem�ria de meu pai.
Pe�o desculpas aos leitores que o conhecem, mas eu gosto demais da emo��o sincera contida nestas palavras, as quais, creio, universalizam o sentimento que n�s, este certo tipo de pais, temos o privil�gio de carregar no peito, e aos quais tamb�m homenageio agora.
Eis o texto de 2006:
"Carta ao pai distante
Querido pai,
Pensei muito antes de decidir escrever esta cartinha, para a qual busquei inspira��o em uma que fiz mais de 50 anos atr�s, sob os cuidados da querida professora Benedita C�lia, l� do Grupo Escolar de Vila
Esperan�a.
Lembrei-me de que, naquela ocasi�o, tive de ler a carta, porque seu analfabetismo impedia que pudesse faz�-lo sozinho.
Mas hoje escrevo diretamente para voc�, porque tenho certeza de que, no lugar onde se encontra j� l� se v�o quase 10 anos, todos sabem ler, escrever, cantar e dan�ar e tamb�m podem ser chamados de voc�, n�o
mais de senhor, como eu fiz da primeira � �ltima vez, quando falamos na v�spera de sua morte.
Bem, mas agora voc� est� longe e ao mesmo tempo aqui pertinho, e minha carta nos aproxima ainda mais, porque Dia dos Pais � para isso mesmo, apesar da gastan�a in�til toda –na minha primeira inf�ncia, eu sempre te dava de presente apenas um frasco de lo��o p�s barba, e voc� adorava...
Referi-me logo acima ao fato de todos dan�arem a� no c�u, ent�o voc� deve estar se divertindo, n�, seu p�-de-valsa?!
Lembro-me t�o bem dos bailinhos na varanda de casa, nos quais voc� saia rodopiando com minhas irm�s, que depois acabaram me ensinando a dan�ar, bolero, samba e quetais, o que sei at� hoje.
Seus mais de cem quilos desapareciam como que por encanto quando o Lucho Gatica mandava bala no "Besame Mucho", e l� ia voc� todo pimp�o.
Claro que nunca aprendi a rodopiar como voc�, mas sabe que eu herdei a tal "cara de bravo" que voc� tinha? At� que � uma boa, n�, porque, enquanto todos pensam que estamos a ponto de sair no bra�o, na verdade, por tr�s da carranca, a gente est� se divertindo. Voc� era um tremendo gozador, que eu sei. E adorava contar umas mentirinhas... Mas tudo bem, porque seu cora��o era enorme, sua capacidade de trabalho, inesgot�vel e sua mania de ser "viva e deixe viver" n�o tinha igual.
Por isso voc� era um cara muito querido por todos no bairro.
Toda tarde, quando voc� tomava banho e ficava fumando no port�o, n�o tinha um que passasse na rua e n�o o cumprimentasse, o que me deixava muito orgulhoso.
Claro, voc� tinha seus defeitos, e minha m�e n�o deixava barato. Como o fato de nunca ter conseguido aprender a ler e escrever corretamente. Mas o que minha m�e n�o levava em conta � que, mesmo assim, voc� era capaz, por exemplo, de montar e desmontar uma m�quina gigantesca como um tear industrial ou uma empacotadora de biscoitos, acompanhando diagramas inextrinc�veis e ainda se comunicando sabe-se l� como com engenheiros alem�es!
E minha m�e tamb�m implicava contigo, dizendo que voc� n�o era um bom comerciante (ela era �tima, lembra?). Ora, eu tamb�m sempre fui p�ssimo para vender qualquer coisa, e acabei sobrevivendo, como voc� sobreviveu, criou tr�s filhos e construiu, no muque, tr�s casas, do alicerce ao telhado, ao encanamento (a� voc� era bamba!) e at� mesmo � instala��o el�trica.
Essa eu nunca vou esquecer: quando mexia com eletricidade, voc� sempre me chamava para "ajudar" e, segurando no fio descascado, relava a m�o em mim s� para rir do pulo que eu dava com o choquinho, que voc� mesmo nem sentia.
Pai, voc� era um camarada (adorava esta palavra...) impressionantemente especial na sua simplicidade e humildade.
Lembro-me perfeitamente, pouco antes de sua morte, naquele mesmo port�o, mas j� sem o cigarro, porque o primeiro infarto j� o havia atingido, quando lhe perguntei se voc� tinha medo de morrer, e voc� disse que n�o, de jeito nenhum, com aquele seu sorriso calmo e simp�tico nos l�bios.
Claro que n�o, voc� n�o tinha medo de nada! Pena que tenha sofrido tanto com o segundo infarto...
Bem, est� dif�cil de continuar escrevendo, porque as l�grimas teimam em fugir ao controle, mas s� queria dizer mais uma coisa: obrigado.
Obrigado por ter sido quem foi, mesmo sem nunca ter lido nada do que escrevi _mas eu fui virar justamente jornalista, escritor, caramba!
Obrigado pela no��o de honestidade, trabalho, generosidade e corre��o que voc� praticou e me ensinou.
Obrigado por todas as vezes que me levou nas costas nadando suavemente, pelos lambaris que pescamos juntos, pelas telhas que colocamos no telhado da casa da praia e pelo amor que voc� sempre fez quest�o que demonstrar por mim e por minhas irm�s queridas.
S�o esses ensinamentos e esses sentimentos que, para mim, fizeram de voc� um pai especial.
Aquele pai que eu fa�o quest�o de recordar aqui e agora para homenagear todos os bons pais que porventura lerem essa cartinha, neste Dia dos Pais."
Livraria da Folha
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