� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Caretices e noites estreladas
No fim da tarde da cidade h� garoa. Afinal. Pois a "terra da garoa" anda seca como o qu�, uma garoinha vai bem para molhar a goela e limpar o ar que acrescenta sunset de Los Angeles ao horizonte cinza.
Nada mau.
Deixo a rua molhada e entro na Livraria da Vila para prestigiar (paparicar...) o Marcelo Rubens Paiva que lan�a livro. Livro da pe�a que virou filme, "E a�, comeu?" (Editora Foz). Mais politicamente incorreto imposs�vel, e este � o tema do debate que precede os aut�grafos, com os tamb�m escritores/transgressores Reinaldo Moraes e Mario Bortolotto.
Por que o mundo est� t�o careta? Por que n�o se pode mais falar besteira sem ser criticado, censurado, xingado? Se escrevo um livro com personagem racista, o racista sou eu! Se meu personagem fala mal de viado, o homof�bico sou eu! Perderam a intelig�ncia todos, ningu�m pensa mais?
Que chato...
Mas a conversa com os escritores segue e � boa, o p�blico gosta, Marcelo � sempre um grande contador de hist�rias, no palco, no livro, na cr�nica ou ali diante de seus leitores. Estes s�o atentos, interessados, com
observa��es pertinentes. Bom, ainda tem vida inteligente, sim.
*
No caminho para a sa�da chama a aten��o nos lan�amentos a nova edi��o de "O Dem�nio do Meio Dia - Uma Anatomia da Depress�o", agora pela Cia. das Letras (a primeira edi��o, de 2001, � da Objetiva, resgato ela aqui na estante e a tenho em m�os, toda anotada e cheia de post its...)
O livro premiado do jornalista americano Andrew Solomon � um cl�ssico. Uma imensa, precisa, corajosa, dolorosa, apaixonante investiga��o sobre a depress�o, n�o conhe�o outro trabalho mais s�rio e/ou envolvente do que este.
Vejo aqui as anota��es nos papeizinhos agora descoloridos, indicando trechos que achei importantes na �poca: suic�dio, ego, fenda sin�ptica, psiquiatras x psic�logos, futuro.
Quando li/anotei o livro, eu n�o tinha futuro. Vivia intensamente o que ainda alguns chamam de "depress�o maior", classifica��o t�cnica para quando voc� est� com merda at� o pesco�o, imobilizado, vida desestruturada, destru�do, sem perspectiva, monstruosamente triste por conta do que antes tamb�m chamavam de psicose man�aco-depressiva (PMD), agora n�o � mais psicose e sim transtorno ou apenas depress�o, tudo dentro de uma classifica��o maior denominada "transtornos afetivos". Sim, trata-se de afetos. Desequil�brios qu�micos, serotoninas de menos, nervos � flor da pele, mas afetos...
O livro do Solomon ajudou a me salvar, a mim e a milhares de pessoas no mundo todo que conseguiram enfrentar a "velha senhora", o "cachorro preto", a "companhia sinistra" que abate e destr�i rela��es, amizades, empregos, vidas. Silenciosa e inexoravelmente.
Hoje ao menos se fala mais abertamente do problema, as pessoas n�o t�m tanta vergonha de sentir o que sentem, h� maior abertura para os mist�rios da psique e da alma, exceto pelos idiotas que ainda t�m medinho daqueles que tomam "rem�dio de tarja preta".
Uma surpresa: na livraria vi apenas que a nova capa do livro deixou de ser branca e ganhou muitos tons de azul, n�o reparei direito na hora porque fui logo folhear o interior para ver se havia atualiza��es.
Agora, pesquisando na internet, levo um baita susto: a capa traz uma reprodu��o do quadro "Noite Estrelada", de Van Gogh, para mim o s�mbolo mais completo da depress�o.
Em 2002 ou 2003, vivendo uma melancolia profunda e ainda inexplic�vel, me deparei com este quadro no Museu de Arte Moderna de Nova York, onde se encontra at� hoje. Fiquei t�o absorvido quanto chocado com aquelas ondas em azul e estrelas distorcidas em amarelo que fui arrastado ali mesmo para o mais profundo do meu inferno pessoal, num assustador acesso de choro.
Desde ent�o, muita coisa mudou, mesmo que nunca v� embora, a depress�o pode ficar sob controle.
E se o livro de Solomon ajudou a sobreviver, o quadro de Van Gogh, com seus carac�is e planos sinistros, converteu-se na lembran�a de que o po�o � sim profundo, mas a noite, por mais escura que seja, tem estrelas.
Livraria da Folha
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