� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Drogas, ampliar o debate
Duas not�cias veiculadas esta semana referentes ao universo das drogas deixam claro como ainda � dif�cil lidar por aqui com aspectos relacionados ao tema que encontram-se em est�gios muito mais avan�ados em outras plagas.
A primeira not�cia diz respeito � decis�o de um juiz de Bras�lia que permitir� � fam�lia de uma menina de 5 anos importar um medicamento derivado de maconha para amenizar o sofrimento de sua crian�a, v�tima de severas convuls�es causadas por epilepsia. O caso da menina e da luta da m�e para dar um m�nimo de conforto � filha ganhou notoriedade na TV, que mostrou que o medicamento, importado clandestinamente, foi a �nica possibilidade encontrada para aplacar a severidade da doen�a.
Certamente por conta dessa exposi��o, rapidamente surgiu a decis�o judicial que vai finalmente permitir que o medicamento seja importado legalmente dos EUA, onde � liberado. Mas a decis�o judicial traz em si mesma a nuvem do preconceito: segundo a senten�a que do juiz de Bras�lia que julgou o caso, "n�o se pretende com a presente demanda fazer apologia do uso terap�utico da cannabis sativa, a maconha", complementando que o medicamento Canabidiol n�o tem efeitos entorpecentes.
Uai, como se pode liberar um rem�dio dizendo que ele � efetivo, faz bem e resolve um problema grave terap�utico sem tornar not�ria e propagar a sua efic�cia? A simples libera��o sob a alega��o de que funciona, � �til, vai ajudar uma crian�a referenda, � apolog�tica de suas qualidades, n�o? Qual � o problema nisso?
N�o � entorpecente? Mas justamente por ser entorpecente a maconha �, por exemplo, utilizada terapeuticamente em muitos pa�ses com fun��es diversas, como para aplacar os efeitos delet�rios da quimioterapia, por exemplo...
Por que tanto medo?
Mas voltamos ao tema em seguida, depois de comentar outra not�cia que aparentemente n�o tem nada a ver com isso, mas tem.
Trata-se do inqu�rito aberto pelo Minist�rio P�blico para investigar a contrata��o pelo governo do Estado de uma associa��o privada para administrar uma unidade p�blica de tratamento de viciados que ser� criada na Cracol�ndia.
Tal associa��o � presidida pelo m�dico e professor da Unifesp Ronaldo Laranjeira, que entre outras coisas vem a ser justamente o coordenador dos programas de combate ao crack da Secretaria de Sa�de do Estado.
Ou seja, ele se encontra nas duas pontas de um projeto que tem verba estimada de R$ 14 milh�es, o que levou o MP a aventar, no m�nimo, "conflito de interesses", embora o governo j� tenha declarado ao jornal "O Estado de S. Paulo" que o m�dico n�o receber� nada desse dinheiro.
Ok, a ver, mas passando ao largo da quest�o legal/administrativa, o fato deste profissional ser o formulador da pol�tica de combate ao crack e surgir ele mesmo como o executor direto desta pr�pria pol�tica demonstra claramente uma concentra��o de poder e uma op��o estrat�gica de combate a drogas com uma linha de comando �nica, em que apenas uma s� vis�o sobre a abordagem da quest�o das drogas � colocada em pr�tica.
E como � not�rio, a linha de a��o defendida por Laranjeira publicamente (externada h� pouco tempo na sua participa��o no programa Roda Viva, comentada aqui) � extremamente conservadora, genericamente proibicionista, n�o faz distin��o entre os tipos de drogas utilizadas, � focada no combate ao usu�rio e passa longe do que se convencionou chamar de redu��o de danos para os usu�rios.
Diferentemente do que se v� aqui no pa�s - em rela��o a maconha, crack ou drogas sint�ticas, que seja -, as posturas mais contempor�neas de abordagem adotadas com �xito por diversos pa�ses preveem um conjunto de a��es e de pol�ticas p�blicas que substituem a velha vis�o de que o usu�rio � um criminoso, deve ser combatido por meio de um dispendioso aparato policial e por a��es compuls�rias de sa�de p�blica.
Este tipo de pol�tica tem avan�ado ap�s ao fracasso da chamada "guerra as drogas", conceito hoje criticado inclusive pela ONU, que o formulou em 1962.
Voltando � quest�o da maconha, enquanto no Brasil o uso de um rem�dio inofensivo depende de decis�o judicial, at� mesmo os Estados Unidos est� abandonando sua vis�o policial/repressora. O uso recreativo da erva foi inclusive recentemente legalizado nos Estados de Washington e Colorado, sem falar nos tantos outros em que o uso medicinal � legal e rotineiro h� tempos.
Na Europa, que sempre foi mais avan�adinha (vide a Holanda), at� pa�ses de perfil mais conservador como Portugal - onde n�o se combate mais criminalmente droga nenhuma - ou Espanha - onde existe mais de 400 cooperativa de usu�rios de maconha - t�m observado avan�os significativos em suas abordagens mais arejadas da quest�o.
Na contram�o destes avan�os temos a R�ssia, por exemplo, onde se aplicam a repress�o e a criminaliza��o como aqui no Brasil e que est� enfrentando agora mesmo o avan�o assustador do v�rus HIV dentre jovens usu�rios de drogas injet�veis. Mas, mesmo assim, n�o quer nem ouvir falar de redu��o de danos via distribui��o de seringas aos seus milhares de usu�rios.
Na nossa seara, se a responsabilidade da aplica��o pr�tica da estrat�gia de combate a drogas em S�o Paulo estar a cargo do mesmo profissional que a formula envolve alguma irregularidade, ou fere a �tica, cabe ao Minist�rio P�blico esclarecer.
No entanto, esta pendenga � uma �tima oportunidade para que se reflita sobre a estrat�gia em si, que est� sendo aplicada de maneira hegem�nica, com um �nico foco, seguindo apenas uma doutrina.
Excluindo a contribui��o de tantos e tantos talentosos profissionais seja da USP, ligada diretamente ao governo do Estado, seja da Unifesp, quem poderiam contribuir com seu conhecimento muitas vezes divergente para uma abordagem mais ampla, plural e efetiva deste problema t�o complexo.
Como se sabe, multiplicidade de conceitos e debates de ideias sempre fizeram bem. Ao menos nas democracias...
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