� jornalista e consultor na �rea de comunica��o corporativa.
Somos 34,9%, com orgulho
Ent�o quer dizer que � assim: o camarada chega na praia de Ipanema, por exemplo. Aquela abund�ncia, a mulherada toda quase nua, gl�teos minimamente protegidos, seios se insinuando para todos os lados. O sujeito avalia bem a situa��o, escolhe aquela que mais lhe apetece e mete a m�o, com a inten��o de ir al�m disso. Afinal, se a dona vai a p�blico praticamente nua � porque est� se oferecendo ao primeiro que se aventurar, certo?
N�o, n�o � assim.
Da mesma forma que n�o � assim: a mo�a que entra no metr� de minissaia n�o pode ser "encoxada", nem aquela outra no ponto do �nibus usando uma blusa de alcinha pode ser bolinada s� porque seu corpo � provocante, tampouco a sensualidade que exala de tantas de nossas meninas est� dispon�vel ao desfrute de qualquer um.
At� ontem parecia impens�vel que a esta altura do campeonato, de qualquer campeonato, seria preciso gastar o portugu�s para reafirmar princ�pios t�o elementares da vida civilizada: n�o pode haver contato f�sico sem consentimento. Ponto.
Mas, como ficamos sabendo por conta de uma inusitada pesquisa realizada em 2013 pelo respeit�vel Ipea (que, em geral, cuida de dados econ�micos...), e divulgada agora, nada menos que 65,1% de um universo de quase 4 mil entrevistados acham que � assim, sim: mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. Mulheres, inclusive, acham isso...
Idade da Pedra total, s� falta o porrete e a caverna para onde arrastar a f�mea feliz? N�o, s�culo 21, pa�s com quase todo mundo conectado, mais smartphones per capita do que a maioria dos demais pa�ses do planeta.
Desanimador...
O que dizer �s mulheres que concordam com isso?
Ser� que os pesquisadores ouviram somente aquelas mulheres que, segundo uma amiga minha, s�o "invis�veis", porque ficaram velhas ou feias ou gordas ou sem o apelo sexual padr�o e desenvolveram uma amargura delet�ria porque perderam toda a autoestima? N�o, meus respeitos �s mulheres maduras e cujos corpos teimam em ser normais, assim como elas, essas mulheres, s�o admiravelmente normais.
N�o quero saber dos homens babacas que responderam � pesquisa, esses s�o �bvios. Mas sim dessas mulheres que admitem a viol�ncia, o ass�dio, o estupro. Ter�o filhas, irm�s, amigas que merecem ser estupradas, segundo seu ju�zo t�o arrogante quanto autorit�rio?
Arrogante porque se d� o direito de julgar o comportamento alheio. Autorit�rio porque quer punir drasticamente aquelas que segundo seus padr�es toscos t�m desvio de comportamento ou simplesmente incomodam.
Desalento.
Desalento porque tem gente que � idiota demais para entender que ser vulgar, exibida ou provocante, que seja, � uma quest�o de ponto de vista, a vulgaridade pode estar no olhar de quem julga –e, em geral, est�.
Mas danem-se esses bo�ais, porque o mais importante � o seguinte: mesmo que o objetivo de uma mulher seja ser vulgar, mesmo que ela seja vulgar por qualquer crit�rio, seja provocante e/ou transgressora, esse � um direito dela, n�o um salvo-conduto para que qualquer homem possa extravasar sua devassid�o.
O que dizer de quem apenas se veste como quer, porque quer e sem querer provocar ningu�m? Ora, bolas...
O que choca mais nestes 65,1% de ignor�ncia � que isto ocorre num momento de conscientiza��o, evolu��o e conquistas talvez nunca vistos na sociedade. A intoler�ncia, a homofobia, a trucul�ncia e o medo do que � diferente nunca estiveram t�o acuados pelos modernos instrumentos de comunica��o.
Talvez por isso mesmo que ali, no anonimato da pesquisa de opini�o encontremos esses estertores obtusos, medievais. Mais que indigna��o talvez seja o caso de piedade.
E de louvar os 34,9% que repudiam essa loucura toda, j� se movimentando em a��es nas redes sociais, como #eun�omere�oserestuprada, #ninguemmerece, #estuproecrime, #meucorpomepertence e outras mais que surgir�o...
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