"Foi uma montanha-russa de bom senso cheio de vigor!", declarou Stephen Colbert, o anfitrião de talk show mais assistido nos fins de noite americanos. Ele entrou no ar ao vivo, nesta terça (1º), logo após o primeiro discurso do Estado da União de Joe Biden.
É possível que o comediante não estivesse fazendo piada apenas sobre a idade do "Tio Joe" ou sobre o contraste com a instabilidade lunática dos anos Trump. Colbert, que já demonstrou mais bom senso do que parte da imprensa política americana, podia estar dando uma cutucada na cobertura feita sobre o presidente.
Os dias que antecederam o discurso foram marcados pelo foco na queda de Biden nas pesquisas, com um tom de ruína sobre uma Presidência fadada ao fracasso. A fixação de comentaristas e repórteres em índices de aprovação é um vício preguiçoso.
Quando Winston Churchill liderou o Reino Unido na vitória sobre Hitler, sua popularidade nunca esteve abaixo de 78%. Mas semanas após a rendição da Alemanha, o premiê e seu Partido Conservador foram varridos do poder. Como estadista, ele foi vastamente admirado em tempos de guerra. Quando o perigo nazista passou, os eleitores preferiram mais governo e acesso a serviços públicos —a agenda trabalhista.
Biden não governa de um bunker subterrâneo como o usado por Churchill no centro de Londres durante a blitz alemã. Sua defesa passional de uma ordem internacional em que a tragédia da Ucrânia não se repita exclui o envio de soldados americanos de volta para lutar na Europa —ao menos não agora, não na Ucrânia.
Mas Biden tomou posse numa Washington traumatizada pela tentativa de golpe com a invasão do Capitólio. Encontrou uma Casa Branca em caos, ao final de um ano em que Donald Trump preferiu incentivar a morte em massa do que arriscar a campanha de reeleição. A pandemia continuou a avançar em ondas no primeiro ano de governo do democrata, e o país hoje se aproxima da marca de 1 milhão de mortos por Covid. "Eu sei que vocês estão cansados, frustrados, exaustos", disse Biden no discurso, reconhecendo o óbvio.
Como é possível informar o público sobre o funcionamento e os planos do governo num momento tão dramático como o presente, usando pesquisas de opinião como bússola?
O país rachado que elegeu Trump e onde o discurso cívico só se deteriorou nos últimos seis anos não presenteia um presidente com aprovação de 85% —como a que George Bush pai teve, na vitória na Guerra do Golfo— desde 1991.
É legítimo debater as consequências do descontentamento expressado em pesquisas? Claro que sim, mas o que acontece quando 51% dos americanos acreditam na ficção de que o país está numa recessão ou depressão econômica, como na pesquisa divulgada nesta semana pelo jornal USA Today?
A recessão da pandemia terminou no meio de 2020 e o desemprego está próximo de baixa histórica. Nem os pesquisadores conseguem explicar o fato de a liderança de Biden nessa crise da Ucrânia não se refletir na opinião pública.
Peter Baker, correspondente de Casa Branca do mais importante jornal americano, escreveu na rede social sobre o fato de Vladimir Putin ter conseguido o oposto do que queria: reaproximou os EUA da Europa; aumentou a presença de tropas americanas no continente; alterou a postura da Alemanha sobre defesa e o gasoduto russo; reverteu a rejeição à Otan.
Já o papel de Joe Biden, o impopular, não mereceu menção na análise do jornalista.
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