Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

O dedo é do Queiroga, mas a raiva é nossa

Reação à passagem do pária do Planalto por Nova York deixou mais evidente que ele está cutucando a onça com o dedo médio

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O presidente mais odiado e odioso da história do Brasil é um homem coerente. Como alguém que detesta os brasileiros, recheou seu gabinete de homens que anseiam se igualar a ele em repelência.

O mais célebre do momento, para os nova-iorquinos, está isolado no quarto de um hotel cinco-estrelas de Manhattan que cobra diária média de US$ 269 (R$ 1.418), a conta paga por vocês, caros leitores.

Marcelo Queiroga, que se enche de coragem para enfrentar manifestantes com um gesto obsceno, desde que protegido por vidros à prova de bala e agentes do serviço secreto americano, deve estar impaciente com a quarentena imposta pela Covid.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mostra o dedo médio a manifestantes contrários a Bolsonaro em Nova York - 20.set.21/Reprodução

São 14 dias que poderiam ser mais bem empregados em novas violações do juramento de Hipócrates, como cancelar a vacinação de adolescentes para agradar ao chefe sanguinário.

A súbita ociosidade do cardiologista execrável pode fazer os pensamentos enveredarem por territórios sombrios. “Será que os cozinheiros do hotel leram sobre a minha passagem pestilenta pela cidade e vão resistir à tentação de metaforicamente me mostrar o dedo médio no preparo das refeições?”

O dedo de Queiroga expressa a raiva que o filósofo romano Sêneca qualificaria como sintoma de expectativas frustradas. Ele esperava ser recompensado pela cumplicidade na morte em massa de brasileiros e esbarrou na petulância dos protestos contra o presidente.

A raiva que elegeu a Maria Antonieta do cartão corporativo presidencial tem o mesmo DNA da raiva que se tornou o pão com manteiga do Partido Republicano. A nova era colérica da direita americana foi inaugurada há 30 anos pelo então presidente da Câmara Newt Gingrich, hoje untuoso membro da tropa de choque trumpista. Trump é produto do “Contrato com a América” de Gingrich, pura raiva e ressentimento.

No vasto leque de contrastes do sistema bipartidário dos EUA, os democratas têm mostrado desconforto com a raiva. Faz sentido, já que a raiva republicana é a raiva do homem branco, e o Partido Democrata vence eleições com o voto de mulheres e minorias, grupos que são mais punidos quando expressam raiva.

Imaginem se, na sabatina de confirmação no Senado, a juíza de origem porto-riquenha Sonia Sotomayor reagisse aos berros a perguntas críticas como fez seu hoje colega na Suprema Corte Brett Kavanaugh.

A cabeça fria do primeiro presidente negro americano chegou a tal ponto que dois comediantes criaram um esquete famoso, o tradutor de raiva de Obama. Joe Biden, o suave conciliador do Senado, elegeu-se prometendo dialogar e unir. Mas a pandemia está testando o estoicismo da maioria que se vacinou e cumpriu os protocolos de saúde. A explosão da variante delta, apesar da fartura de vacinas que os negacionistas recusam, levou Biden a dizer que a sua “paciência está se esgotando”.

Pesquisas têm mostrado que os americanos vacinados culpam os não vacinados por arriscar a vida de todos. Sabemos que a ira dos sensatos não vai convencer extremistas que estenderam à saúde seu zelo identitário a tomar vacina.

Mas um veterano estrategista democrata disse, recentemente, que detecta uma nova dinâmica política que tem a raiva como ingrediente. Catarse pela expectativa frustrada de se libertar da pandemia? Não sei.

A reação à passagem do pária do Planalto por Nova York, no entanto, deixou mais evidente que ele está cutucando a onça com o dedo médio.

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