Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Nobel a Bob Dylan: esnobismo n�rdico ou injusti�a art�stica?
Estou mergulhado h� dois anos na reda��o de um novo romance. Mesmo quando um escritor j� pratica seu of�cio h� muito tempo, escrever um novo romance � sempre um exerc�cio �rduo e extenuante –e acredito que seja assim para quase todos os escritores que respeitam a si e a seus leitores.
Eu precisei de quatro anos para concluir "Hereges" e cinco para p�r o ponto final em "O Homem que Amava os Cachorros". Por que � t�o dif�cil escrever um romance? Por que o escritor, ainda mais o escritor profissional, sente que nunca disse o que pretendia dizer da melhor maneira em que � capaz de diz�-lo, e retorna v�rias vezes sobre o que escreveu, transpira, duvida, receia?
Hemingway confessou certa vez que tinha escrito o final de "Adeus �s Armas" quase 40 vezes. Quando lhe perguntaram qual tinha sido o problema, ele deu uma resposta t�o simples quanto terr�vel e reveladora: o problema era a ordem das palavras. Porque, na realidade, tudo se resume a isto: a colocar uma palavra atr�s de outra para conseguir expressar algo que tenha um sentido e consegui-lo do modo mais belo e claro poss�vel. O dif�cil � consegui-lo.
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Milan Kundera, por sua vez, falou de uma caracter�stica peculiar da arte do romance: � que o autor que come�a a escrever esse livro � diferente do que terminou de escrev�-lo. Por duas raz�es: o processo de escrever um romance, de tirar tantas coisas de dentro de si para falar dos mist�rios da condi��o humana, muda voc�, quer voc� queira, quer n�o. E a outra raz�o � ainda mais dram�tica: para escrever um romance voc� pode precisar de dois, tr�s, cinco anos, �s vezes mais. O tempo transcorrido faz com que voc� n�o seja mais o mesmo entre um momento e outro. � a lei da vida.
Gabriel Garc�a M�rquez contou v�rias vezes o que precisou fazer para escrever "Cem Anos de Solid�o". O romancista renunciou a todos seus trabalhos de sobreviv�ncia, encerrou-se com seus caf�s e seus cigarros para escrever e confiou que poderia acontecer alguma coisa com seu livro, pois, do contr�rio, sua fam�lia estaria do outro lado da beira da fal�ncia. E assim escreveu durante anos.
Parece evidente que o of�cio liter�rio requer essa dose de masoquismo, de autoimola��o, um processo com dor ao longo do qual o artista tem que combater todos os dem�nios que sejamos capazes de imaginar. Eu me refiro aos verdadeiros escritores, �queles que fazem de sua arte um instrumento para penetrar "a alma das coisas", como pedia Flaubert. Mas esse verdadeiro escritor assume os riscos e se empenha em sua tarefa. Por qu�? Porque n�o pode deixar de faz�-lo.
Estou convencido de que nunca serei um escritor com as qualidades de Hemingway, Kundera, Garc�a M�rquez ou Flaubert. Mas, se aprendi alguma coisa em meus quase 40 anos lutando com a escrita, � que escrever literatura � um of�cio tremendamente dif�cil, �s vezes lacerante, repleto de incertezas e geralmente, depois de tanto esfor�o, premiado com a indiferen�a. Porque apenas um bom livro entre muitos bons livros consegue chegar a se converter em refer�ncia, em sucesso comercial (que est� mais ao alcance de alguns maus livros).
Os poetas, esses seres empenhados em nos fazer descobrir que a vida pode ser expressa com outras palavras, dedicam-se � sua obra sabendo, de modo geral, que n�o receber�o recompensas por seu trabalho. A poesia nunca vendeu bem e, embora em determinadas �pocas e conjunturas hist�ricas os poetas tenham gozado de grande prest�gio social e cultural, seu empenho raramente alcan�a resson�ncia maior. Mas os poetas existem, sonham, burilam os idiomas, iluminam a mente. Porque s�o poetas e n�o podem evit�-lo.
E os dramaturgos? Como no caso da poesia, a experi�ncia pessoal n�o me acompanha em minha opini�o, mas o fato de mover personagens diante dos olhos de outros e contar por meio das palavras deles algo t�o dif�cil de armar como um verdadeiro drama implica, sem d�vida, um esfor�o criativo mai�sculo.
Direi apenas que vi com surpresa como se concedeu a recompensa liter�ria que se sup�e ser a mais importante do mundo a um escritor de letras de can��es. Um dos maiores e mais influentes. Um poeta da can��o. Claro, o grande Bob Dylan.
O Pr�mio Nobel de Literatura. Esnobismo n�rdico ou injusti�a art�stica? N�o sei, mas acho que n�o teria ocorrido a ningu�m entregar um Pr�mio Grammy a um poeta, um romancista ou um dramaturgo, gra�as � musicalidade de seus textos. Alejo Carpentier e Carlos Fuentes morreram sem o Nobel de Literatura. Milan Kundera e Philip Roth esperam pelos deles... Mais do que nunca, a resposta da Academia Sueca est� boiando no ar.
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