Prestes a ser privatizado, o parque Ibirapuera perdeu, desde a fundação, metade da área original e também um pedacinho da alma, o símbolo que marcou o seu nascimento.
São Paulo comemorou o quarto centenário em 1954. Foram inúmeros os legados da festa, entre os quais, o principal é a área verde mais querida da cidade.
Já reconhecido como nosso maior arquiteto, Oscar Niemeyer foi contratado para conceber os prédios e bolar sua distribuição no parque. Criou também o símbolo do jubileu, que se tornou onipresente naqueles tempos: um monumento com a forma do emblema previsto na planta do lugar.
No dia 25 de janeiro daquele ano, quando o então prefeito Jânio Quadros inaugurou a área verde, a grande escultura estava ao fundo, perto da Oca. As fotografias da época mostram a construção. Mas, desde então, ela sumiu.
A história, incrível, é reveladora do efeito pernicioso do chamado “jeitinho brasileiro”.
Niemeyer projetou uma forma espiralada, enrolando-se em torno de um eixo inclinado. Como é frequente no Brasil, as obras atrasaram e, só cerca de seis meses antes da inauguração, a comissão responsável se tocou de confeccionar o monumento.
O arquiteto fez o desenho e deixou a realização técnica para o engenheiro Zenon Lotufo. Os cálculos revelaram que era impossível produzir a forma em concreto, com a inclinação desejada. A solução seria moldá-la em aço, mas já não havia tempo ou dinheiro para isso.
As semanas passaram e, às vésperas do aniversário da capital, a equipe incumbida decidiu fazer uma gambiarra: um monumento de gesso, com inclinação inferior. Foi essa obra ilusória que ornou a festa.
Nas semanas seguintes, as chuvas típicas do verão derreteram o Monumento ao Quarto Centenário, retirado às pressas para recuperação. A prefeitura, sem dinheiro, contou com o tempo para deixar a obra cair no esquecimento. E conseguiu.
Quando se fala de privatização do Ibirapuera, sempre imagino o comprador do parque forçado a reconstruir o monumento. Se possível antes do quinto centenário.
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