Ex-secret�rio de Reda��o da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve �s segundas.
Reino Unido teve sempre posi��o amb�gua sobre a Uni�o Europeia
O Reino Unido nunca esteve inteiramente dentro da Europa, e isso n�o � consequ�ncia de determinismo geogr�fico, por ser ilh�u. Qualquer terr�queo que tenha acompanhado a rela��o brit�nica com a Uni�o Europeia sabe que o pa�s sempre usou a amea�a de sair como argumento para impor o que queria nas negocia��es com a comunidade. Um dia, as amea�as se tornaram realidade.
Agora ser�o dois anos de conversa para estabelecer o novo status quo. O mais prov�vel � que n�o seja uma sa�da total, mas uma condi��o de parceiro n�o inteiramente integrado. O sonho de muitos brit�nicos � a Su��a: o pequeno pa�s tem um isolamento natural semelhante ao ingl�s (em vez do mar, tem montanhas) e uma diversidade �tnica e cultural bem resolvida por um sistema federativo que virou modelo para o mundo todo. Ela n�o � parte da UE, mas se beneficia de uma condi��o especial de com�rcio e fronteiras que n�o � oferecida a outros vizinhos, como a Ucr�nia ou Turquia.
A rela��o do Reino Unido com a comunidade europeia sempre foi marcada por ceticismo. Depois de lutar duas guerras no continente, os brit�nicos viram com desconfian�a e ficaram de fora do acordo do a�o (1950), embri�o da Uni�o Europeia. Assinaram Fran�a, Alemanha, B�lgica, Holanda e It�lia. Londres tamb�m n�o aderiu quando os seis primeiros pa�ses (Fran�a, Alemanha, It�lia, B�lgica, Luxemburgo e Holanda) firmaram o acordo que gerou o Mercado Comum Europeu (1957). O Reino Unido assinou apenas em 1973.
Eleita em 1979, a conservadora Margaret Thatcher foi uma cr�tica contumaz da integra��o econ�mica e pol�tica. Exigia a entrada de mais pa�ses, para diluir o peso das tr�s maiores pot�ncias (Alemanha, Fran�a e o pr�prio Reino Unido) e n�o admitia a moeda comum.
Em 1992, o pa�s viveu um claro estresse com a integra��o da pol�tica externa da comunidade: Londres era contra o reconhecimento da independ�ncia dos pa�ses da ex-Iugosl�via, queria que antes as constitui��es das novas na��es reconhecessem os direitos das minorias s�rvias.
A Alemanha atropelou todos e reconheceu a Cro�cia e a Eslov�nia, seus fi�is aliados nas duas guerras mundiais contra Fran�a e Inglaterra.
O a�odamento tornou a guerra inevit�vel.
No fim daquele ano, em 16 de setembro, deu-se o maior trauma econ�mico da rela��o com a Comunidade Europeia, quando grandes especuladores entraram na bolsa apostando na desvaloriza��o da libra.
As regras europeias obrigavam os pa�ses a sustentar o valor de troca de suas moedas. Londres investiu 3,4 bilh�es de libras em um �nico dia, duelando contra o banqueiro George Soros para sustentar a paridade de 2 a 1 para o d�lar. Perdeu.
Naquela noite, o governo conservador retirou-se do mecanismo de controle monet�rio: deixou a libra flutuar conforme o mercado. E ela despencou, perdeu quase 50% do valor nos primeiros dias e estabilizou posteriormente em 1,5/d�lar.
Os pre�os de importados subiram, a infla��o cresceu, o pa�s viu a cara da crise sem que a Europa corresse em seu aux�lio. A opini�o p�blica inglesa sentiu mais uma vez que sangrava a sa�de nacional em benef�cio do continente.
No ano seguinte, os pa�ses deveriam aprovar em plebiscito o tratado de Maastricht e aderir � Uni�o Europeia, propriamente (integra��o total de fronteiras e moedas, direitos nacionais �nicos e iguais). O governo brit�nico, conservador, se dividiu e a opini�o p�blica tamb�m. Mais ou menos como o "brexit" em 2016, a vota��o foi apertada, mas a continuidade venceu.
O Reino Unido manteve condi��es especiais como a preserva��o da libra e o controle de passaportes pr�prio, sem falar dos carros com dire��o do lado direito.
Mais recentemente, com a crise dos refugiados do Oriente M�dio e do Norte da �frica, as diferen�as se manifestaram de forma aguda: a Alemanha se revelou favor�vel ao acolhimento, os pa�ses mediterr�neos entraram em crise para administrar o impacto enquanto o Reino Unido aproveitou a barreira natural (o mar) e bloqueou quase totalmente a entrada de imigrantes no pa�s.
Em seguida, o primeiro ministro Cameron aceitou chamar um plebiscito para votar o "brexit". O resultado foi o que sabemos.
Como dizia o grande rep�rter americano David Halberstam, autor de "The Powers that Be", uma das maiores dificuldades dos jornalistas � vender como novas not�cias que s�o continua��o de processos seculares. A sa�da anunciada nesta quarta (29) � apenas a confirma��o da velha ambiguidade dos brit�nicos com o que muitos aqui chamam de "a Europa" (como se n�o fizessem parte dela). Ela iria acontecer, mesmo que n�o se chamasse "brexit".
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