Ex-secret�rio de Reda��o da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve �s segundas.
Encontrei o prefeito de Londres correndo na rua sozinho
Reprodu��o/Twitter | ||
Sadiq Khan em frente a um �nibus londrino |
LONDRES - Encontrei o prefeito de Londres, Sadiq Khan, correndo na rua, s�bado de manh�, na regi�o de sua casa, sudoeste de Londres. Ele treinava s�, sem seguran�as (vis�veis, ao menos) e sua presen�a n�o provocava frisson entre as pessoas que andavam nas cal�adas cheias de caf�s de Clapham. Estranhei ver o prefeito de uma metr�pole rica n�o estar sentado em um carro oficial, de luxo, seguido por outro lotado de seguran�as, como fazem os mandat�rios brasileiros.
Mas aqui n�o surpreende o prefeito da cidade correr pelo bairro onde mora, como parece natural o h�bito de ir de �nibus e metr� para o gabinete, no Centro da cidade. O prefeito anterior, Boris Johnson, conservador, ia diariamente de bicicleta.
O sol da primavera chegou finalmente � capital brit�nica no fim-de-semana, como um presente para o Dia das M�es, comemorado ontem. Os londrinos lotaram parques, caf�s e as ruas comerciais. E bem no meio da muvuca em torno do parque Clapham Common, ao atravessar um farol de pedestre, dei de cara com o prefeito, em uma ilha no meio da avenida. Eu esperava o sinal abrir para seguir correndo para o Norte e ele, para o Sul. "Ol�", eu disse. "Ol�", ele respondeu sorrindo. Eu queria perguntar se era ele mesmo, se n�o sente medo de correr sozinho na rua, fazer um coment�rio inteligente naquela situa��o bizarra, comparar sua simplicidade com os homens p�blicos brasileiros, mas o sinal abriu, ele logo se afastou rumo a sua casa, no vizinho bairro de Tooting.
Tr�s anos atr�s, antes de ser eleito, Sadiq Khan escreveu um artigo no jornal "The Guardian" contando que viciou em corridas ao treinar para uma maratona beneficente promovida pelo jornal "Evening Standard". "Eu n�o me dava conta do quanto correr muda a nossa vida. Agora estou obcecado. Quando n�o estou tentando superar meus limites, estou falando com outras pessoas sobre os delas, lendo sobre treinamento ou dietas com equil�brio perfeito de carboidratos e prote�nas", contou.
A corrida entrou para o marketing pessoal. Logo ap�s a posse, preocupado com a fuga de empresas financeiras para a Europa ap�s o Brexit (a sa�da do Reino Unido da Uni�o Europeia, EU), ele correu a prova anual promovida em julho pelo banco JP Morgan. Antes, fez um discurso prometendo que Londres est� aberta para os neg�cios europeus. Traduzindo: n�o v�o embora, causando desemprego e perda de receitas de impostos.
Algu�m poderia dizer que os prefeitos brasileiros correm riscos se sa�rem sozinhos �s ruas, pois a viol�ncia � maior em nossas cidades. Para concordar, ter�amos que esquecer que no in�cio da semana ocorreu um atentado terrorista na frente do Parlamento, com quatro civis e um policial morto e cerca de quarenta feridos.
Tamb�m � preciso refletir sobre o ovo e a galinha: epis�dios agressivos quando nossos pol�ticos v�o � rua sem entourage de imperador podem ser exatamente sinal da falta de conviv�ncia nas ruas. Ao mesmo tempo, um prefeito que corre a p�, anda de �nibus e metr� diariamente, de verdade, conhece melhor a cidade do que quem vive cercado de seguran�as, blindado em um carro oficial.
Nos anos 1960, os paulistanos j� consideravam a cidade muito violenta mas o prefeito Prestes Maia (1961-65) pegava diariamente o bonde que descia a avenida Ang�lica para ir de casa � Prefeitura. No final daquela d�cada, o Brasil vivia uma ditadura e alguns grupos de extrema-esquerda adotaram o terrorismo. Mas frequentemente o governador bi�nico, Abreu Sodr� (1967-71), era visto guiando o pr�prio carro (Fusca) para ir da casa oficial ao Pal�cio dos Bandeirantes.
Nos anos 1970, o prefeito Figueiredo Ferraz (1971-73), um empres�rio bem sucedido, que certamente podia ter motorista particular, guiava o pr�prio autom�vel mesmo durante o hor�rio comercial, via a cidade e era visto por ela. E S�o Paulo j� tinha naquele momento �ndices de viol�ncia preocupantes. Melhor se n�o usassem autom�veis, mas ainda n�o tinham o estilo "prefeito ostenta��o" que hoje � marca do Brasil, esse pa�s rico e poderoso.
Foi o que pensei por um �timo de segundo, na manh� de s�bado, embasbacado diante daquela revela��o: em democracias avan�adas, os homens p�blicos se comportam como pessoas normais e n�o como potentados de Terceiro Mundo.
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