Ex-secret�rio de Reda��o da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve �s segundas.
Doria j� cometeu os dois maiores erros de sua gest�o
O segundo maior erro da administra��o Doria j� aconteceu: o aumento do limite de velocidade nas marginais. Se for um bom prefeito, ter� sido s� um trope�o de iniciante; se for mau, passar� � hist�ria como o primeiro de uma lista. Mas n�o ser� esquecido. Durante quatro anos, cada acidente que ocorrer nas duas avenidas ser� analisado sob o crivo de sua decis�o; cada morte ter� um c�mplice j� identificado.
Entendo que Doria prometeu a medida na campanha e quis cumpri-la logo de cara, como Donald Trump com o muro no M�xico. Sei tamb�m que a medida � popular: pesquisa da ONG Nossa S�o Paulo mostra que tem apoio de 54% dos paulistanos. Mas se popularidade fosse crit�rio universal para o gestor p�blico, Oswaldo Cruz n�o teria insistido em vacinar a popula��o do Rio contra var�ola apesar da "Revolta da Vacina" (1904).
A redu��o de velocidade � impopular em todo o planeta, mas � adotada em nome da sa�de p�blica, como parte de um programa da ONU para diminuir a letalidade do tr�nsito. Diversos pa�ses est�o reduzindo mortes. O Brasil est� estagnado, mas sua maior cidade vem melhorando.
H� um aspecto irracional na revers�o da medida adotada pelo prefeito anterior: ela prejudica quem a defende, as pessoas que trafegam pelas duas avenidas e acham que aumentar a velocidade permitida reduz a lentid�o. A ci�ncia mostra o contr�rio: a melhor "produtividade" de uma via (capacidade de levar mais carros rapidamente de um ponto a outro) se d� em torno de 50km/h. Quando os carros aceleram mais, o motorista se distancia do carro da frente para n�o bater em caso de brecada s�bita, e a dist�ncia entre eles vai fazer caber menos carros por quil�metro de avenida. Essa foi a conclus�o dos estudos pioneiros do engenheiro russo Boris Kerner, a servi�o da ind�stria Mercedes-Benz, buscando aumentar o conforto de seus consumidores.
Ou seja, mesmo pensando no interesse do carro-dependente, esquecendo o risco de acidentes e mortes, o melhor seria manter as velocidades adotadas na gest�o anterior. Um bom l�der pol�tico deveria entender isso e explicar � sociedade.
Ningu�m abominou mais o prefeito Fernando Haddad (PT) do que os taxistas. Pois eles defenderam a preserva��o dos limites, por entender que foram ben�ficos. O que odiavam era a chamada "ind�stria da multa", da qual se sentiam as maiores v�timas.
Pois a solu��o adotada pela prefeitura vai ser um tiro no p� de quem votou em Doria para acabar com a "ind�stria da multa". Para n�o potencializar o risco de acidentes ao aumentar os limites de velocidade, foram estabelecidas velocidades diferentes dentro da mesma pista local. Al�m de ser dif�cil medir e controlar, a diferen�a de velocidade entre faixas vai provocar confus�o, "turbul�ncia", entre os carros que aceleram (para chegar � segunda pista) e desaceleram (para passar � da direita ou virar numa transversal). Se a prefeitura punir o desrespeito aos 50km, as multas v�o multiplicar; se n�o o fizer, vai incentivar o desrespeito e a medida n�o vai pegar, aumentando a inseguran�a de carros e pedestres nas transversais. Como dizia o l�der franc�s Cardeal Richelieu (1585-1642), tirano de "Os Tr�s Mosqueteiros", fazer uma lei e n�o exigir seu cumprimento � como incentivar o desrespeito.
A administra��o iniciou uma grande campanha publicit�ria para divulgar h�bitos de seguran�a no tr�nsito, junto com o aumento dos limites de velocidade. Campanhas educativas s�o boas. Mas � estranho ter que gastar dinheiro nos meios de comunica��o, em �poca de crise or�ament�ria, com mensagens para reduzir riscos decorrentes de uma medida da prefeitura. Era melhor para o Tesouro n�o ter tomado a decis�o.
O leitor talvez se pergunte: qual � ent�o o maior erro da administra��o? O prefeito est� chamando a aten��o demais para si. Aparecendo tanto, p�e sua digital em tudo que faz a prefeitura, inclusive as bobagens, como o erro no decreto sobre cobertores dos moradores de rua. Um bom l�der, como D�ria quer ser, deve dar liberdade aos secret�rios para serem protagonistas em suas �reas e, quando errarem, absorver os efeitos negativos de suas a��es.
Bernardinho � o her�i do nosso v�lei, mas n�o saca nem d� cortadas; Tite faz sucesso ao escalar a sele��o, mas n�o bate p�naltis. Para n�o lembrar s� de esportistas, cito um exemplo da pol�tica: quando Fernando Collor foi presidente do Brasil, Carlos Menem governava a Argentina, ambos administrando crises econ�micas. Muito ambicioso, Collor deu seu nome ao pacote de medidas criado pela ministra Z�lia Cardoso de Mello. Quando o "Plano Collor" naufragou, levou o presidente para o ralo; enquanto isso, em Buenos Aires, o presidente argentino elogiava e criticava, nomeava e demitia ministros da Economia. Foi reeleito.
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