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Ex-secret�rio de Reda��o da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve �s segundas.
Por que as cal�adas paulistanas devem ser um lixo?
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
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Lixo acumulado na rua Pais Leme, em Pinheiros na zona oeste de S�o Paulo. |
Era uma vez uma cidade em profunda crise econ�mica. Seu governante, tentando resolver a urgente falta de dinheiro, decretou: as vias p�blicas ser�o cuidadas pelos donos dos lotes por onde passam! A partir de ent�o, cada peda�o do asfalto passou a ser mantido pelo dono do im�vel em frente.
A medida resultou em imediato sucesso financeiro: o governo economizou o dinheiro destinado � pavimenta��o. Mas em poucos meses, as ruas passaram a expressar a diversidade de gostos e renda da popula��o. O propriet�rio milion�rio ladrilhou seu pedacinho de rua com pedrinhas de brilhante. Alguns de seus vizinhos preferiram m�rmore ou granito enquanto os mais pobres deixaram o pavimento � sorte do tempo.
Se havia o dever de cuidar, tamb�m cabia o direito de escolher a est�tica: o morador palmeirense misturou tinta verde ao asfalto; seu vizinho tricolor preferiu faixas brancas e vermelhas; no bairro bo�mio, bares patrocinados pintavam as ruas com cores de cervejarias e as floriculturas desenhavam rosas e margaridas.
O resultado geral, no entanto, foi o abandono, caracterizado pelos buracos. Propriet�rios sem dinheiro n�o faziam manuten��o; outros simplesmente se esqueciam ou investiam seus fundos na preserva��o do im�vel do muro para dentro.
Quando a cidade se deu conta de que a decis�o do prefeito tinha sido uma loucura, seu mandato j� tinha acabado e ele mesmo, morrido. Restou para o futuro, o legado de abandono do espa�o p�blico, crateras e acidentes.
A cidade se chama S�o Paulo. O governante era J�nio Quadros (1985-88). A crise econ�mica s� n�o era mais grave que a atual. E a lei maluca vigora desde ent�o, mas apenas para as cal�adas: a mentalidade que privilegia os autom�veis impediu que a lei valesse para toda a via p�blica; ficou restrita �quela parte que afeta todos os moradores quando eles andam a p�.
O resultado, todos sabemos. Na semana que passou, o prefeito eleito Jo�o D�ria disse que S�o Paulo � um lixo. Nada expressa melhor essa podrid�o do que o estado das cal�adas, respons�veis por 20% das interna��es de ortopedia na rede p�blica, por acidentes causados por buracos e desn�veis. Atire a primeira pedra na lei em vigor quem j� trope�ou ou se feriu por um defeito no cal�amento.
Quem n�o quiser jogar pedras pode pressionar os dois prefeitos (Haddad, atual, e D�ria, eleito) que t�m a chance de mudar o quadro atual, depois de 30 anos de caos causado pelo imediatismo de J�nio: foi aprovado pela C�mara em novembro um projeto de autoria do vereador Andrea Matarazzo (hoje no PSD) que devolve ao poder p�blico a miss�o de cuidar das cal�adas.
Haddad deve sancionar ou vetar a lei. No processo de transi��o em curso, � prov�vel que consulte o sucessor. Matarazzo foi derrotado em dois processos eleitorais envolvendo os prefeitos, no ano que termina: nas pr�vias tucanas, foi ultrapassado por D�ria; saiu do partido e foi candidato a vice de Marta Suplicy (PMDB), ficando atr�s de D�ria e Haddad. Mas se os alcaides olharem para a lei sem a lente eleitoral, provavelmente v�o sancion�-la.
S�o Paulo tem cerca de 35 mil quil�metros de cal�adas. A lei ter� um impacto para a economia da Prefeitura: passa para os cofres p�blicos uma obriga��o que hoje � dos donos de im�veis (salvo nas avenidas mais movimentadas, em que a miss�o j� � da Prefeitura).
A equipe de D�ria teme que a crise torne esse custo impag�vel. H� at� uma informa��o, certamente maldosa, mas que circula entre as duas equipes, de que Haddad vetaria a medida a pedido de D�ria. Duvido de que duas pessoas inteligentes possam ter uma vis�o t�o tosca sobre a administra��o p�blica e imediatista sobre as finan�as municipais a ponto de vetar uma lei que corrige um descalabro implantado por um governante emocionalmente desequilibrado 30 anos atr�s.
Se a Prefeitura n�o tem dinheiro para assumir a obriga��o em 2017, que sancione a lei e deixe a sua regulamenta��o para 2018; ou crie uma regra de transi��o que dure alguns anos. O fato � que a pulveriza��o do dever de cuidar das cal�adas fez delas a maior express�o do lixo paulistano, a que se referiu o prefeito eleito.
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