Eu estava começando a pensar que era exclusivo da esquerda identitária o costume de interpretar uma mensagem da pior forma possível, acusar o autor de crimes monstruosos e competir para ver quem se mostra mais indignado.
A histeria contra o filme "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola" revelou que a direita também se comporta assim.
Figurões reacionários acusaram o filme de Danilo Gentili de fazer apologia à pedofilia. Tudo por causa de uma curta passagem em que um personagem, interpretado por Fábio Porchat, pede para os protagonistas o masturbarem.
Na verdade, como Danilo Gentili explicou em entrevistas desta semana, o filme vilaniza a pedofilia. O personagem de Porchat é mal visto na história; os protagonistas fogem dele enojados.
O chilique contra o filme exibiu as mesmas fases dos cancelamentos da esquerda. Teve um denunciador: um deputado estadual cearense que tirou a cena do contexto, cortou partes que contrariavam sua narrativa e inflamou seguidores.
Teve celebridades e políticos que aderiram à fúria sem acrescentar nada ao debate (fenômeno conhecido por "acumulação"). O ministro da Justiça enxergou "detalhes asquerosos" no filme e determinou "medidas cabíveis". "Até quando a família brasileira vai admitir isso?", perguntou Eduardo Bolsonaro.
E teve também a fase da radicalização, quando os indignados pedem punições cada vez mais severas aos autores da suposta transgressão moral. O Ministério da Justiça acabou mandando as plataformas retirarem o filme do catálogo; o secretário nacional de Cultura acusou até mesmo a Netflix de pedofilia.
Ninguém é obrigado a gostar do filme e todos têm direito de achar que a classificação etária está errada. Mas essa crítica deve se dirigir ao Ministério da Justiça, que classificou o filme como adequado a maiores de 14 anos, e não a atores ou diretores.
Mas o equívoco mais rudimentar dos críticos foi não entender que a fala de um personagem não reflete a opinião do autor ou do roteirista. Se fosse assim, teríamos que interditar todos personagens do mal —e criar vilões isentos de preconceito ou maldade, que não teriam a menor graça.
Também há, aqui, correspondentes nos cancelamentos da esquerda. No ano passado, ativistas acusaram a versão americana de The Office de incentivar práticas preconceituosas por causa da conduta de Michael Scott, o protagonista da série.
No episódio "Diversity Day", da primeira temporada, Michael não consegue segurar seus preconceitos contra negros e hispânicos justamente no "dia de diversidade e inclusão" promovido por sua empresa.
Tratava-se, é claro, de uma sátira a esse tipo de comportamento constrangedor. Apesar disso, em agosto, o canal Comedy Central deixou de fora o episódio da maratona dominical de The Office nos Estados Unidos.
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