A indicação do ex-presidente Lula do pastor Paulo Marcelo, amigo do deputado bolsonarista Marco Feliciano, como seu interlocutor junto a eleitores evangélicos deixou "surpreso" o teólogo pentecostal Kenner Terra. Professor de ciências da religião, ele ficou impressionado com a radicalidade do gesto que dá a Lula acesso ao "chão de fábrica" do mundo evangélico. Para o pastor Alexandre Gonçalves, uma liderança da frente Cristãos Trabalhistas ligada ao PDT de Ciro Gomes, é a primeira vez que o PT está dialogando com um "evangélico real", com a cara do pentecostal das periferias.
A manobra pode garantir a vitória petista, ao atrair para a campanha pentecostais, inclusive pobres, que abraçaram o bolsonarismo nos últimos anos, mas representa um risco tanto para Lula quanto para Paulo Marcelo.
Ao abraçar a campanha petista, o religioso joga fora anos investidos em relacionamentos dentro do mundo evangélico. Ele se desenvolveu profissionalmente como pastor itinerante e seu rendimento vinha do convite para pregar em igrejas. Se depender do círculo social que vê –e tem razões para ver– a esquerda como inimiga da religião e da família tradicional heteronormativa, o pastor poderá ser banido desse meio.
Para se ter uma ideia do grau de rejeição que ele está atraindo, o apóstolo e deputado estadual Luiz Henrique denunciou na tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará que está sendo perseguido por pastores por ter recebido –apenas recebido– em sua igreja o pré-candidato Ciro Gomes. Um outro pastor do sul do país foi posto "na geladeira" do circuito das igrejas, não por apoiar outros candidatos, mas por fazer críticas abertas a Bolsonaro.
Lula pode se dar mal em vários níveis. Ele trouxe para seu lado um pastor com a reputação suja perante parte de seus pares, por um escândalo envolvendo porte ilegal de arma em 2014. Ao escolher Paulo Marcelo, o ex-presidente também rompeu unilateralmente e sem aviso prévio com evangélicos que, defendendo pautas da esquerda, comprometeram suas reputações frente a sua comunidade religiosa. Pior: ao se associar a um pastor sem vínculos com os projetos da esquerda, o PT faz aquilo que a esquerda sempre criticou em relação a Bolsonaro e outros líderes religiosos: instrumentalizar a fé.
Mas o prêmio para o sucesso dessa colaboração é alto. Ela simboliza uma aproximação entre o Partido dos Trabalhadores e a Assembleia de Deus, uma rede de igrejas que reúne mais de 12 milhões de fiéis. Pentecostais são os evangélicos mais numerosos e que mais crescem no país, e também os que estão mais próximos da pobreza. Um terço deles tem renda mensal igual ou inferior a meio salário mínimo.
Já Paulo Marcelo pode estreitar sua relação com Lula, o candidato com maior chance de vencer a eleição. Se o religioso entregar o que têm potencial para fazer –abrir a porta das igrejas e dos corações dos pentecostais para o PT–, possivelmente continuará atuando como interlocutor entre o talvez futuro presidente e igrejas, parlamentares e empresários evangélicos.
Lula aliou-se a um evangélico originário dos Gideões Missionários, um grupo com imenso simbolismo e importância entre pentecostais. Paulo Marcelo é um pastor itinerante proeminente e por isso rodou o Brasil falando para audiências de "evangélicos reais". Seu nome é conhecido e ele tem acesso ao WhatsApp de muitos pastores e lideranças pentecostais. Apesar do escândalo de 2014, ao mandar suas mensagens, agora ele se apresenta como interlocutor do candidato mais cotado para vencer a eleição este ano. Por isso, o cientista político Vinicius do Valle afirmou, a partir de uma extensa pesquisa de campo entre pentecostais, que grupos da Assembleia já sinalizam estarem abertos para dialogar com o PT.
O outro lado acusou o golpe. O ministério Belém da Assembleia de Deus soltou nota explicando que o pastor não está mais ligado à organização, que hoje tem vínculos com o presidente Bolsonaro. E o pastor Silas Malafaia foi às redes atacar a reputação de Paulo Marcelo. Se achassem que o novo aliado do PT não representa um risco, não teriam se dado ao trabalho.
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