Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Seleção Brasileira

Não se conta a história do Brasil sem os uruguaios

Do Maracanazo aos dias de hoje, vale registrar o significado do Uruguai na história do futebol brasileiro

Por óbvio, o horário tardio do jogo pelas quartas da final da Copa América entre Brasil e Uruguai me impede comentar o clássico sul-americano na edição impressa de domingo (7) desta Folha.

Se o favoritismo oriental se confirmará ou não na cidade norte-americana de Paradise, é assunto para depois.

Por ora, vale registrar o significado do Uruguai na história do futebol brasileiro.

A começar pelo célebre Maracanazo, quando, comandado pelo negro capitão Obdulio Varela, o Uruguai venceu a decisão de Copa do Mundo.

Bastava o empate para os brasileiros, que fizeram 1 a 0 e permitiram a virada, consumada no célebre gol do 2 a 1 de Ghiggia, aos 34 minutos do segundo tempo.

Schiaffino marca o primeiro gol do Uruguai na decisão de 1950 - STF - 16.jul.50/AFP

A derrota deu origem ao complexo de vira-latas de Nelson Rodrigues, ao livraço "Anatomia de uma Derrota", do escritor brasileiro Paulo Perdigão, pela L&PM, e a "Maracanã: os Labirintos do Caráter", do jornalista uruguaio Franklin Morales, pela Breve Companhia. Os dois livros são encontráveis em ebook.

Do Maracanazo, em 16 de julho de 1950, há sentenças definitivas como a de ser considerado o primeiro grande velório da história do Brasil, só comparável aos três que vieram depois —de Getúlio Vargas, em 1954, de Tancredo Neves, em 1985, e de Ayrton Senna, em 1994.

O algoz Alcides Ghiggia, sem arrogância nenhuma, um dia disse: "Só três pessoas calaram o Maracanã: eu, o papa e Frank Sinatra".

O cineasta Ugo Giorgetti, autor do célebre filme "Boleiros", é definitivo na admiração aos uruguaios e repete, sempre que pode, quase como mantra: "Respeitem os uruguaios".

Uruguaios que nos legaram escritores do porte de Eduardo Galeano, cujo livro "Futebol ao Sol e à Sombra", também pela L&PM, é clássico mundial da literatura sobre o ludopédio.

Galeano, que em épocas de Copas do Mundo, botava uma placa na porta de sua casa: "Cerrado por fútbol".

Ou como Mauricio Rosencof, 91, que escreveu "As Cartas que não Chegaram", pela Record, companheiro de Pepe Mujica, 89, este estadista exemplar, figura tão rara na política mundial como Mahatma Gandhi e Nelson Mandela.

Mujica e Rosencof são dois dos três personagens do impressionante filme "Uma Noite de 12 anos", sobre o martírio a que foram submetidos pela ditadura instalada em Montevidéu.

Isso tudo ainda sem falar dos uruguaios que enriqueceram e enriquecem o futebol brasileiro, como Mazurkiewicz (ou Rodolfo Rodríguez), Pablo Forlán, Hugo de Léon (ou Diego Lugano), Darío Pereyra e Álvaro Pereira; Nicolás de la Cruz, Dom Arrascaeta, Pedro Virgilio Rocha e Rubén Paz; Loco Abreu e Luis Suárez.

Pablo Forlán defendeu o São Paulo entre 1970 e 1975 - Acervo UH/Folhapress

O Maracanazo, saibam a rara leitora e o raro leitor, até hoje dói mais que o 7 a 1, porque aconteceu antes de 1958, ao passo que a goleada alemã no Mineirão veio depois do pentacampeonato, com o complexo de vira-latas devidamente enterrado.

E não ache que a vitória brasileira sobre o Uruguai na semifinal da Copa do Mundo de 1970, no México, por 3 a 1, com memoráveis atuações de Clodoaldo, Rivellino, Pelé e Tostão, apaga 1950.

Nem muito menos eventual vitória no jogo em Paradise.

A revanche do Maracanazo só se dará no estádio Centenario, em nova final de Copa do Mundo entre as duas seleções, e de virada para o Brasil contra o favoritismo dos anfitriões.

E no dia em que já tivermos superado o racismo estrutural que condenou à pena perpétua o goleiro Barbosa pelo gol de Ghiggia.

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