O Barcelona foi o último grande clube a estampar publicidade em sua orgulhosa camisa.
Deu espaço à Unicef como gesto humanitário, em 2006, embora tivesse desde 2003 a autorização dos sócios para adotá-la.
Em vez de receber, o clube catalão pagava ao fundo de auxílio à infância da ONU cerca de 2 milhões de euros por ano.
A partir de 2011, a situação mudou, e ao receber a marca da Qatar Foundation, o Barça passou a faturar 30 milhões de euros anualmente.
Agora anuncia a venda dos direitos do Camp Nou, inaugurado em 1957, com renda revertida para as pesquisas em busca da vacina do novo coronavírus.
É uma maneira inteligente de abrir as portas para, no futuro, financiar a reforma de seu tradicional estádio.
A questão é simples: quem adotará o novo nome?
No Brasil, o então Atlético Paranaense bem que tentou mudar o nome da Arena da Baixada, mas a nova marca não pegou.
Já o estádio do Palmeiras nasceu com denominação comercial e mesmo assim são poucos os que o tratam como batizado.
E, por quê?
Em alguns casos porque os veículos, ou os comunicadores, exigem pagamento para usar o nome do patrocinador, como acontece na Libertadores. Em outros por política eticamente obrigatória de não misturar jornalismo com publicidade.
Se é óbvio que no capitalismo a imprensa precisa de propaganda é igualmente verdade que há fronteira intransponível entre a prática do bom jornalismo e a área comercial.
Imagine, por exemplo, que a desumana companhia seguradora do voo da Chapecoense fosse a que dá nome ao estádio palmeirense. Os que dela recebem certamente se omitiriam na cobertura da tragédia para não criticá-la.
Jamais a rara leitora e o raro leitor lerão aqui a Arena Corinthians ser chamada de X ou Y, nem que um dia receba outro nome, o que parece conto da carochinha.
Claro que nada é assim tão simples porque o torcedor fica desgostoso com o que considera sabotagem contra seu clube.
Mais complicado ainda fica quando surgem times com nomes de empresas, como a Red Bull. Por enquanto ainda é possível chamá-los pelo nome do clube a quem se associou, como o Bragantino ou o Leipzig. E amanhã, caso desapareçam os nomes dos sócios?
Sim, será difícil ver uma torcida gritar em coro o nome de uma empresa, mas vai que acontece...
Quando até a Rede Globo passa a permitir que sua equipe esportiva faça propaganda como compensação à diminuição salarial as coisas ficam, de fato, embaraçosas.
Como o telespectador acreditará que há, mesmo, separação entre a Igreja e o Estado se ele vê comunicadores fazerem publicidade de patrocinador da CBF?
No mínimo os sindicatos de jornalistas deveriam estabelecer quem pode ser tratado como tal e não permitir como associado quem for garoto-propaganda.
Leitores, telespectadores e ouvintes, os verdadeiros patrões do jornalista, merecem a deferência —e a distinção.
O estádio do Barcelona nem sempre foi o Camp Nou.
Antes era o Les Corts, nome de bairro da cidade, chamado de a Catedral do Futebol, até ser erguido o Campo Novo.
Aqui será sempre Camp Nou, pelo menos até que, eventualmente, surja um Campo Novíssimo.
Como sempre serão tratados o Pacaembu, o Maracanã, Mineirão, a Fonte Nova e assim por diante.
Há muitas novidades que devem mesmo ser adotadas. Entre essas não está o estupro do jornalismo.
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