![jorge coli](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/esporte/images/16099536.jpeg)
� professor titular de hist�ria da arte na Unicamp e autor de "O Corpo da Liberdade" (Cosac Naify). Escreve aos domingos, uma vez por m�s.
Para entender uma obra de arte, � �til observ�-la ao lado de outras obras
Divulga��o | ||
![]() |
||
"Mo�as Gregas Jogando Bola" (1889), de Frederick Lord Leighton, |
Nada melhor do que uma obra de arte para compreender outra. Os museus e exposi��es sugerem, de modo volunt�rio ou n�o, o exerc�cio comparativo. Ali, as classifica��es da hist�ria da arte habitualmente imp�em seus par�metros.
Arte do renascimento, impressionismo ou abstra��o; arte holandesa, espanhola ou russa; retratos na Fran�a do s�culo 18, paisagem inglesa, abstra��o norte-americana; as naturezas-mortas de Van Gogh, a produ��o de Hubert Robert, e assim por diante. Nesses casos, a compara��o refor�a a ordem estabelecida do conhecimento.
Por�m, recentemente alguns curadores buscam embaralhar as cartas para, ao juntar obras fora desses crit�rios, despertar novas centelhas de compreens�o.
Dou um exemplo que j� � hist�rico. No ano 2000, Robert Rosenblum organizou uma exposi��o aproveitando o motivo do centen�rio: "1900 - Art at the Crossroads" (arte na encruzilhada). Foi apresentada em Londres primeiro, depois em Nova York.
A ideia era elementar, um ovo de Colombo: reunir obras expressivas vindas de todos os horizontes e criadas na proximidade dessa data simb�lica. Crit�rio cronol�gico simples que bastou para revolucionar a percep��o. Ao dispor um Toulouse-Lautrec ao lado de um Eakins, um Matisse n�o longe de um Bouguereau, um Picasso, um C�zanne e um Carolus-Duran na mesma sala, Rosenblum revelou afinidades que ningu�m suspeitava. As velhas oposi��es entre "vanguarda" e "academismo" se dissolveram.
O exemplo dessa mostra excepcional n�o surtiu grande efeito de imediato. Hoje, ao contr�rio, quando tantos historiadores e cr�ticos constituem uma verdadeira devo��o a Warburg, talvez o maior dos comparatistas, surgem sinais de mudan�as nessa dire��o.
Quatro exposi��es, uma em Mil�o, tr�s outras em Paris, indicam esse caminho, e mesmo algum descaminho. No Palazzo Reale de Mil�o, h� um percurso intitulado "Umberto Boccioni (1882-1916): G�nio e Mem�ria", celebra��o do centen�rio. Seu norte � a obra registrada como n�mero um no cat�logo: o "Atlante Delle Immagini". Boccioni colecionou, num atlas de grande tamanho, imagens de obras que o impressionaram. Faz pensar, irresistivelmente, no "Atlas Mnemosyne", de Warburg.
Ocorre que Boccioni n�o se interessava apenas pela vanguarda. Juntou muita produ��o exclu�da pelos modernos com o t�tulo infame de "acad�mica".
Estimulada pelo atlas, a curadoria multiplicou associa��es pertinentes em todas as salas. Introduziu, portanto, v�rios outros autores. Para dar uma ideia, o recinto que abriga a c�lebre "Formas �nicas de Continuidade no Espa�o", de Boccioni, acolheu tamb�m "O Homem Que Anda", de Rodin, o "Caminhando", de Archipenko, pinturas de Picasso e v�rios estudos diversos. Como se v�, aquele caminhante futurista de Boccioni ficou em sintonia com a produ��o moderna que atentava para a capta��o dos efeitos din�micos. Mas eis que, no fundo, uma grande tela do "acad�mico" lord Leighton ("Mo�as Gregas Jogando Bola", de 1889) se insere sem ruptura nessas mesmas preocupa��es.
A mesma coisa ocorre em Paris (Orsay), nas mostras sobre Charles Gleyre (o pintor da "barca", que tanto marcou Monteiro Lobato e que, em nossa cultura, se transformou no arqui-inimigo dos modernos) e sobre Henri Rousseau (que saiu de cartaz no �ltimo dia 17).
A obra de Gleyre emerge ali num contexto coerente de artistas contempor�neos. Mais: demonstram-se tamb�m os seus v�nculos com Puvis de Chavannes ou Renoir, que foi seu aluno. Assim, sua "La Charmeuse" (a encantadora) parece claramente um proto-Renoir.
As liga��es de Rousseau com Carr� s�o control�veis porque este �ltimo admirava muito o primeiro. Mas la�os formais t�o diretos como os propostos na exposi��o surpreendem. Ver, entre outras v�rias associa��es not�veis, "A Guerra", de Rousseau, diante do soberbo "A Igualdade Perante a Morte", de Bouguereau, espanta ainda mais. Malgrado os universos culturais que as separam, s�o duas telas irm�s!
Nisso tudo, h� um por�m. O intervalo entre uma obra e outra deve ser a terceira margem do mesmo rio. Ora, a febre Warburg pode causar estragos quando se torna moda sem rigor. O Grand Palais, em Paris, apresenta uma mostra de livres associa��es com o t�tulo de "Carambolage" (a tradu��o aproximada pode ser ricochete). O "Atlas Mnemosyne" de Warburg est�, em reprodu��o, logo na primeira sala. Seguem-se obras heter�clitas agregadas superficial ou obscuramente. Tudo vale, qualquer coisa vale. Como disse uma amiga: "Parece um Warburg b�bado". Para quem quiser ver, as imagens mencionadas est�o em: goo.gl/bZVnJt
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade