![joão pereira coutinho](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15146305.jpeg)
Escritor portugu�s, � doutor em ci�ncia pol�tica.
Escreve �s ter�as e �s sextas.
Macron � a �ltima oportunidade da Fran�a antes da revolu��o
Angelo Abu | ||
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Tudo est� bem quando acaba bem, certo? Primeira narrativa: Emmanuel Macron, um independente "centrista", e Marine Le Pen, a l�der da extrema direita, passaram � segunda volta das presidenciais na Fran�a.
E, na segunda volta, Macron ficar� acima dos 60%. O perigo de Marine Le Pen ser� dissipado, e a Europa oficial poder� repetir o que disse sobre as elei��es na Holanda: mais uma prova superada. O populismo n�o vencer�!
Mas existe uma segunda narrativa, menos simp�tica, talvez mais realista: a Fran�a est� de rastos. N�o falo apenas de n�meros: desemprego nos 10% (e o dobro entre os jovens), crescimento econ�mico pouco acima de 1% e mais de 230 mortos, v�timas de terrorismo, s� nos �ltimos dois anos.
Falo sobretudo do sistema partid�rio: Paris amanheceu ontem com a sua Quinta Rep�blica transformada. As elei��es ditaram o fim de socialistas e conservadores. Para termos uma pequena ideia: em 2012, Fran�ois Hollande (28,6%) e Nicolas Sarkozy (27,1%) foram os cabe�as de cartaz. Em 2017, Fran�ois Fillon e o ris�vel Beno�t Hamon desapareceram da paisagem.
Em contrapartida, os extremos subiram: Marine Le Pen, que teve 17,9% em 2012, ultrapassou os 21%. Jean-Luc M�lenchon, que tinha como programa transformar a Fran�a numa esp�cie de Venezuela europeia, subiu dos 11,1% para pr�ximo dos 20%. E Macron, putativo presidente, � uma gigantesca inc�gnita que simboliza apenas o rep�dio da maioria pelo "sistema". Como explicar a debacle?
Christopher Caldwell ajuda. Em artigo para a "City Journal", o veterano jornalista escreve sobre a obra do ge�grafo franc�s Christophe Guilluy. Tese de Guilluy: a Fran�a � um pa�s cortado em duas metades.
A primeira se beneficiou da globaliza��o e da "economia do conhecimento". Vive nas grandes cidades (Paris, Marselha, Lyon). Afluente e "multiculturalista", tolera a imigra��o porque, em rigor, s�o os imigrantes que limpam a casa e cuidam dos filhos.
Mas depois existe a outra metade: "la France p�riph�rique", para usar o t�tulo de uma obra do ge�grafo, composta por trabalhadores fabris, agr�colas, burocr�ticos, que perderam o trem e foram abandonando as cidades. Empobreceram, adoeceram e, segundo as estat�sticas, morrem mais cedo. Representam 60% da popula��o.
Sem surpresas, s�o menos "tolerantes" e "multiculturalistas". N�o por raz�es "securit�rias", ao contr�rio do que observadores externos podem imaginar. No topo do ressentimento, est�o raz�es econ�micas e sociais: as cidades n�o s�o apenas habitadas pela "elite"; os "estrangeiros" tamb�m ocuparam o seu espa�o –o espa�o que pertencia a esta classe despromovida. Vivem na habita��o "p�blica" (ou "social") que, escusado ser� dizer, � muitas vezes o vespeiro da pequena criminalidade –e do jihadismo dom�stico.
Gostei de ler essas observa��es de Guilluy porque, honestamente, elas explicam o meu pasmo. Caminhar por Paris � um exerc�cio contraintuitivo: habituados a imagens de terror na TV, tudo que encontramos � uma cidade mais cara e elegante do que nunca. T�o cara e elegante que questionamos, ingenuamente, se haver� lugar no para�so para as classes m�dias. Guilluy responde: n�o h�.
Perante esse bloqueio, existe a tenta��o lun�tica de apanhar o vento com as m�os. Que o mesmo � dizer: reverter a "vis�o mundialista", travar a globaliza��o, exercer um "protecionismo inteligente" –uma receita de atraso econ�mico e puni��o dos consumidores que Marine Le Pen, ou o seu g�meo de extrema esquerda M�lenchon, defende.
Mas existe tamb�m outro caminho: reformar a economia nativa –do seu mercado laboral ossificado a um Estado voraz e perdul�rio– para reintegrar, ou pelo menos compensar, os que ficaram pelo caminho. Sem esquecer, claro, esse pormenor desagrad�vel: a Fran�a vive uma lenta guerra civil contra a loucura islamita.
N�o sei se Emannuel Macron � o homem certo para a tarefa. Tenho d�vidas, muitas d�vidas. Mas h� duas coisas que eu sei: a Fran�a de 2017 tem todos os condimentos para uma revolu��o futura. E o pobre Macron � provavelmente a �ltima oportunidade do pa�s antes de essa revolu��o chegar.
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