A intentona golpista reforçou o clamor por uma revisão da legislação sobre redes sociais. Não sou contra mudanças, mas lembro que esse é um assunto complexo, no qual precisamos estar atentos a nossos vieses. Temos forte tendência a ver a expressão de teses que desprezamos como crime e a classificar no máximo como deslize a propagação, ainda que violenta, de ideias com que concordamos.
Um exemplo real? Será difícil enquadrar os atos de janeiro como terrorismo porque a esquerda, a fim de proteger movimentos sociais como o MST, excluiu da Lei Antiterrorismo, de 2016, a motivação política do rol de razões que permitem tipificar uma ação como terrorista. Com isso, poupou a turba bolsonarista de responder por um delito mais grave.
Eu proponho um teste prático. Novas regras só serão aceitáveis se não nos levarem a censurar nem a Bíblia, nem Marx. Eu me explico. O Bom Livro diz, em Levítico 20:13: "Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte". Já o "Manifesto Comunista", de Marx, traz várias passagens que conclamam os trabalhadores a fazer uma revolução, não uma revolução qualquer, mas uma que derrube a democracia burguesa e a substitua pela ditadura do proletariado.
Acho que a maioria concordará que, embora os dois textos defendam condutas que a lei considera crime (assassinar homossexuais e dar golpes de Estado), eles não devem ser silenciados. Como sair da armadilha?
Não tenho uma fórmula pronta, mas um caminho —e ele passa pelo contexto. Penso que a defesa abstrata, mesmo das ideias mais loucas, não deve ser reprimida. O Estado só deve intervir se essas ideias aparecerem numa situação que coloque pessoas ou instituições em perigo iminente. Gritar "abaixo a democracia" não é crime, mas fazê-lo num acampamento de golpistas prestes a invadir o STF é.
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