Não muitos pleitos atrás, descrevia-se o dia da eleição como festa da democracia. Tratava-se, afinal, do momento em que o eleitor exercia seu poder de mando, definindo os nomes daqueles que o governariam pelos próximos quatro anos. Contestar as regras do jogo ou trabalhar para minar as próprias instituições era algo que ficava fora do radar. A situação hoje é mais sombria. Seria um exagero afirmar que a democracia no Brasil acabou ou está com seus dias contados, mas é forçoso reconhecer que ela se encontra em mau estado e pode piorar.
No cenário menos provável e mais dram��tico, Jair Bolsonaro vence o pleito e dá continuidade à escalada autoritária. Seria muito ruim, não apenas em termos institucionais mas também administrativos. A atual gestão foi especialmente destrutiva em relação a meio ambiente, educação, ciência e cultura e não há nenhum sinal de que isso possa mudar.
Mesmo assim, eu hesitaria em decretar que a vitória do atual presidente seria o fim. Bolsonaro só permanece vivo na política porque, quando as coisas apertaram, ele se aliou ao centrão. E o centrão sabe que só tem poder dentro da democracia. O grupo, acredito, barraria, como já barrou, iniciativas mais democraticidas do presidente.
O cenário mais provável, porém, é aquele em que Lula vence o pleito. Isso afastaria a ameaça mais aguda à democracia, mas, infelizmente, não significaria a retomada da normalidade. O bolsonarismo não irá embora, mesmo que o atual mandatário vá para a cadeia. A extrema direita tomou o lugar da centro-direita democrática e penso que será difícil restaurar o espaço que um dia já foi ocupado pelo PSDB. Registre-se que fenômeno semelhante vem ocorrendo em outras partes do mundo, com tradição democrática mais sólida que a brasileira.
Não creio, porém, que nos reste outro caminho que não o de resistir e tentar reconstruir. Talvez um dia voltemos a equiparar democracia a festa.
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