“Toda Escola de Pensamento é como o sujeito que conversou consigo mesmo por cem anos e está encantado com suas próprias ideias, por mais estúpidas que sejam.” (J.W. Goethe, 1817)
Uma das acusações mais recorrentes contra a Escola Austríaca é a de que seja dogmática. Não mais que os neoclássicos.
A maior parte das acusações é tão somente a prática maliciosa da falácia “argumentum ad hominem”, voltada a agredir o próprio Ludwig von Mises, e não suas ideias.
O dogmatismo em questão se refere apenas a convicções consideradas demasiadamente fortes, acusação que se aplica a quase todo intelectual de qualquer linha de pensamento.
Uma ilustração desse “ad hominem” é a caracterização de Mises durante a primeira reunião da Sociedade Mont Pelerin, em 1947, na Suíça. Cerca de 40 economistas, historiadores e filósofos com tendências liberais variadas se reuniram para discutir a trajetória do liberalismo no pós-guerra.
Hayek e outros julgavam conveniente adaptar o liberalismo laissez-faire para contrapor ataques pontuais de socialistas e populistas.
Mises tinha ressalvas: não considerava aceitável abrir mão de princípios em prol de um novo liberalismo diluído. Em meio a uma discussão na qual muitos consideravam taxação progressiva e impostos sobre heranças compatíveis com um novo “liberalismo”, Mises, segundo relato de Milton Friedman, bateu na mesa e disse: “Vocês são todos um bando de socialistas!”, e saiu da sala para um cafezinho, presumidamente.
Durante décadas o episódio serviu como ilustração do indisputável dogmatismo de Mises, um homem com fortes convicções, rotulado como intransigente. Seus defensores, no entanto, adotaram a acusação como “meme”: um momento histórico heroico de resistência contra o nascente neoliberalismo intervencionista que quase suplantou o liberalismo algumas décadas depois.
Uma outra acusação de dogmatismo, desta vez mais intelectualmente honesta e vinda principalmente de economistas do mainstream, é voltada ao método da Escola Austríaca. Tampouco se sustenta.
A economia neoclássica mainstream parece mais vulnerável a alegações de dogmatismo por conter padrões normativos embutidos em inúmeras premissas irrealistas.
Os neoclássicos assumem: a) que os agentes são racionais (“homo oeconomicus”, o maximizador racional fictício); b) que preveem o futuro (conhecem a distribuição de probabilidades do futuro); c) que os mercados estão sempre em equilíbrio (não há papel para o empreendedor na coordenação econômica); e d) que são “eficientes” (contêm toda a informação relevante para a formação de preços).
São premissas paridas pela “inveja da física” e pelo cientificismo positivista, ou seja, pela crença dogmática de que a economia é uma ciência exata cuja metodologia exclusiva é a mesma das ciências naturais.
Já os austríacos possuem como premissa de base a ação do ser humano, sempre propositada (“homo agens”). Deriva-se daí umas poucas leis econômicas como a de oferta e demanda (ceteris paribus) e a dos retornos marginais decrescentes, irrefutáveis por dados empíricos (como a premissa de base, conhecimento sintético a priori).
Em prol de modelar a economia matematicamente, os neoclássicos optam por varrer para debaixo do tapete o problema da complexidade dos fenômenos econômicos e sociais, baseados na inconstância do ser humano. Sabemos que experimentos de laboratório com seres humanos dificilmente isolam uma única causa de forma replicável. E, quando existem, refutam a premissa de racionalidade, como demonstram Daniel Kahneman e outros, derrubando o castelo de cartas neoclássico.
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