� professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e cr�tico de arte.
Guarani-Kaiow� vivem em �rea min�scula, rodeados de agroneg�cios
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Cena do document�rio 'Mart�rio', de Vincent Carelli |
Pude assistir, na programa��o de filmes da Bienal de S�o Paulo, encerrada ontem, o document�rio "Mart�rio" (2016), de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita. Exibido apenas no Festival de Bras�lia e na Mostra de S�o Paulo, "Mart�rio" � um filme que precisa ser visto por todos, dada a sua extrema atualidade e contund�ncia.
O filme retrata a saga dos �ndios Guarani-Kaiow� em Mato Grosso do Sul, desalojados de suas terras desde h� muito tempo, e tidos historicamente como invasores alien�genas em uma regi�o que, supostamente, "sempre" pertenceu �s fam�lias brancas de fazendeiros. Vistos como paraguaios, e portanto estrangeiros, mas fundamentais desde sempre como m�o de obra barata nas fazendas de erva-mate, soja e gado, os Guarani-Kaiow� tiveram sua identidade com o lugar suprimida, apagada, e vivem aquartelados em assentamentos min�sculos e saturados, com �ndices recorde de suic�dio, rodeados por um imenso "mar" de agroneg�cio.
Alguns grupos, por�m, n�o se resignam a essa condi��o aviltante, e tentam retornar �s terras de origem (teko�), nos chamados acampamentos de reconquista. Ainda que prec�rios, formados por barracos cobertos por pl�stico � beira de estradas, com seus entornos devastados, e atacados por mil�cias privadas, os acampamentos s�o important�ssimos no processo pol�tico de reconquista de terras, e de revers�o simb�lica da invisibilidade dos �ndios no Estado e, em ponto maior, no Brasil.
Diferentemente de cineastas como Michael Moore, que pesa a m�o no discurso ideol�gico, e edita demais as falas de seus antagonistas, Carelli d� tempo para que seus discursos apare�am. Para o espectador, mergulhado na epopeia tr�gica desses povos que lutam pacificamente pela dignidade e sobreviv�ncia –o filme tem quase tr�s horas–, a apari��o de brancos surge, muitas vezes, como uma inc�moda aberra��o.
Em particular, em uma conven��o de ruralistas em 2013, a senadora K�tia Abreu, em um discurso inflamado, afirma que "n�s", tendo j� vencido o MST e o C�digo Florestal, temos ainda que batalhar contra o �ltimo advers�rio: a "quest�o ind�gena". Pois a fam�lia brasileira (no caso, de propriet�rios de terras), feita de sujeitos de bem, que s� querem ajudar o desenvolvimento do pa�s, n�o aguenta mais tanta viol�ncia dos �ndios. O que "n�s" queremos, diz ela, � apenas "paz para produzir".
Um forte contraponto a esse teatro de horror e cinismo � dado pelo hist�rico discurso de Ailton Krenak em 1987, no plen�rio da C�mara dos Deputados, em defesa da Emenda Popular da Uni�o das Na��es Ind�genas. De terno branco, ele vai pintando o rosto com graxa preta enquanto fala, realizando em ato um ritual de luto e de luta. Comovido, pergunta como um povo que nunca colocou em risco sequer a exist�ncia dos animais, e que sempre viveu � revelia de todas as riquezas, pode ser considerado um inimigo dos interesses da na��o?
Ao final da sess�o, o sentimento � de revolta e tristeza. Se, em 1987, o discurso de Krenak foi importante para garantir avan�os na Constitui��o, hoje vemos muitos desses avan�os –sociais, ambientais, culturais– irem para o ralo. Resta-nos, no entanto, adotar a mesma resist�ncia obstinada dos Guarani-Kaiow�, lutando (em luto) com as armas que tivermos contra as for�as que pretendem fazer parecer que esses avan�os nunca existiram.
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