O que aconteceu com as pessoas que alugavam DVDs em locadoras? Não deixaram de ver filmes, apenas passaram a assistir a eles por meio de outros serviços.
Suspeito que, assim como os filmes, as notícias não deixarão de ser consumidas; a questão é saber de que forma.
Não é segredo que o jornalismo profissional enfrenta desafios trazidos por novas tecnologias. Na raiz da crise da indústria está o ambiente criado pelas grandes plataformas digitais. Jornais e revistas perderam o monopólio da distribuição da notícia, dos anúncios e da atenção do leitor diante de tecnologias mais eficazes.
O antigo modelo de financiamento dos jornais, calcado na publicidade, evaporou. No novo modelo de negócios, as assinaturas ganharam centralidade, embora, à exceção de poucos veículos, como o americano The New York Times, sejam insuficientes para pagar as contas.
Quem mais estaria disposto a pagar por notícia? Bem, o Google.
Em junho, a plataforma anunciou que passaria a remunerar o jornalismo profissional. Mais especificamente US$ 1 bilhão em três anos para licenciar notícias produzidas por jornais e revistas de várias partes do mundo.
No início do mês, a experiência passou a valer no Brasil e na Alemanha. Os primeiros veículos a fechar o acordo foram o jornal Estado de Minas e A Gazeta, do Espírito Santo, entre mais de 20 publicações, entre as quais a Folha, o portal UOL, o jornal O Estado de S. Paulo, as revistas Veja e Piauí, além de Band, Jovem Pan e outros veículos regionais.
A ideia do Google News Showcase, ou Destaques, em português, é devolver aos jornais e revistas a tarefa de escolher e apresentar o conteúdo noticioso numa espécie de menu degustação (reunido em um aplicativo de celular).
Seria um movimento de revalorização do discernimento dos editores no lugar dos algoritmos que regem a distribuição de conteúdo. Sob esse desenho, o Google paga para que um punhado de notícias se mantenha livre do paywall.
É como se uma plataforma de streaming gigante remunerasse pequenas Blockbusters para que reempacotassem seus filmes em formatos mais atraentes.
Há quem diga que, com iniciativas como essa, as plataformas digitais estão dando com uma mão—informação de qualidade— algo que tiram com a outra, ao não coibir enfaticamente a desinformação e os discursos de ódio.
Além disso, estariam se adiantando ao regulador, que buscaria arbitrar um poder desproporcional dessas plataformas de atrair recursos que antes ajudavam a manter o jornalismo profissional.
Na quinta (8), a Justiça francesa decidiu que o Google deve negociar com as empresas de comunicação o uso do conteúdo que produzem. O objetivo é encontrar uma fórmula permanente e sustentável (portanto, diferente da proposta do Google, que fala em contrato temporário para um conteúdo específico) para remunerar editores e agências de notícias.
No Brasil, entidades do setor pressionam o Congresso a incluir na lei de combate a fake news um dispositivo que obrigue as plataformas a pagar pelo conteúdo jornalístico.
Resta saber se a proposta resolve o problema dos jornais ou o das grandes empresas de tecnologia.
Em 2019, a receita da Alphabet, a controladora do Google, superou US$ 161 bilhões. Assim, em troca de uma pequena fração de sua receita, o Google driblaria o regulador e ainda ganharia um discurso poderoso de que está apoiando a democracia e defendendo a liberdade de expressão.
Mas essa não é uma história de vilões e mocinhos. Para os jornais e revistas envolvidos, os acordos com a empresa (individuais e sigilosos) estariam entre os licenciamentos de conteúdo mais vantajosos já feitos. Além disso, a visibilidade de conteúdo pode ser um bom negócio, sobretudo para os jornais regionais, ajudando a atrair mais assinantes.
Há questões não respondidas. Os jornais vão deixar de cobrir as plataformas digitais como deveriam? O Google pode estar, na verdade, criando um concorrente? O acesso a notícias de vários veículos pode funcionar como um desestímulo ao assinante?
Toda essa discussão não exime o jornalismo de responsabilidades. Não há salvador da pátria. É preciso se reinventar, investindo em tecnologia, provando ser relevante e estar conectado com um público que também se transforma.
No fim das contas, a saúde financeira de veículos de comunicação interessa também porque é esperado deles que prestem um serviço em nome do interesse público. Voltando ao paralelo com os filmes, o desafio aqui é não só fazer que a notícia continue sendo entregue em outro formato, mas garantir que ela não deixe de ser entregue.
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