Há alguns dias, um leitor me mandou mensagem sobre o Tendências / Debates da Folha.
Segundo ele, a seção é uma arena para advogados, assessores, consultores, representantes de classes e de partidos políticos, publicitários e lobistas defenderem interesses próprios e de seus negócios, de clientes ou de empregadores.
Mais à frente, ele pergunta onde estão os intelectuais imparciais, pensadores, cientistas e detentores de conhecimentos. Ele queria saber qual é o critério usado para selecionar o que vai ser publicado num espaço tão disputado.
A seção foi criada em 1976, com o objetivo de atrair intelectuais que passaram a reportar violações de direitos humanos. Hoje, suspeito que pensadores e cientistas estejam em sua maioria na Ilustríssima.
Não que eles não possam ser encontrados na seção de debates do jornal, mas o caderno que sai aos domingos é mais voltado ao livre pensar.
O Tendências / Debates funciona como uma janela para expor interesses em conflito. Parece feio falar em interesses, mas é disso que se trata.
Mesmo a defesa de algo visto como louvável é feita por alguém com algum interesse—e não há nada de errado nisso.
Porém, a ideia é que os textos tenham qualidade e despertem o interesse geral. Além disso, é desejável que leitor saiba quem é o autor do artigo, algo que está sempre claro nos textos que envolvem assuntos mais sensíveis.
Em artigos sobre a Lava Jato, por exemplo, quando existe, a relação do advogado com uma das partes é sempre exposta.
Em tópicos menos delicados, porém, pode acontecer de autores usarem apenas o chapéu de acadêmicos, de forma que fiquem mais próximos da tal neutralidade, sem que se saiba que também estão sendo remunerados por aquele texto.
No mercado de pareceres jurídicos, é comum pedir a um jurista que também faça um artigo para um jornal de expressão.
Segundo o Manual da Redação, é obrigatório que o miniperfil de autores de textos de opinião destaque informações de pertinência jornalística, a critério do editor ou da Secretaria de Redação.
Para o editor de Opinião, Gustavo Patu, seria descabido o jornal perguntar aos autores se alguém os financia. O que interessa, diz ele, é saber se os textos são relevantes e bem fundamentados.
Não acho que a pergunta seja de todo descabida. O jornal poderia estender o cuidado que tem com os textos que envolvem advogados criminalistas e formar uma regra mais geral: o autor advoga/foi contratado por alguém?
Os leitores também têm dúvidas sobre se o jornal recebe para publicar artigos.
A Folha, na verdade, paga um pequeno valor aos autores que publicam no jornal impresso, com a justificativa de remunerar, ainda que de modo simbólico, a quem contribui com o jornal—com exceção de detentores de cargos públicos.
O jornal também encomenda artigos e, aos sábados, traz uma pergunta elaborada pela editoria e proposta a dois autores de visões diferentes.
O outro aspecto discutido pelo leitor—o critério usado para escolher os textos—merece ser mais bem entendido.
A seleção cabe à editoria de Opinião, ouvida a Direção de Redação. Segundo Patu, os critérios são relevância e oportunidade do tema, representatividade do autor ou autora e qualidade do texto.
Se esses critérios são seguidos à risca é algo para discussão. Na minha avaliação, nem sempre.
Olhando apenas o mês de setembro, os exemplos são muitos e vão de um executivo de um conglomerado industrial falando sobre os seus negócios a um membro de uma agência de uma prefeitura defendendo o trabalho do prefeito.
Recentemente, a seção acolheu um anunciante que se sentiu ofendido por um texto de colunista do jornal, o que não me pareceu o mais adequado.
No caso do leitor, ele ficou especialmente descontente com um artigo publicado no fim de agosto sobre o coaching, uma ferramenta usada para o planejamento de carreiras.
Sem nenhum demérito aos temas, é legítimo questionar se eles de fato se enquadram entre os tópicos mais quentes do pensamento contemporâneo ou entre os grandes problemas brasileiros e mundiais—os pilares nos quais o Tendências / Debates se fundamenta.
Selecionar bons artigos é o caminho mais seguro para sustentar a ambição que deu origem à seção. Adotar uma regra que dê mais transparência à autoria dos artigos dá mais elementos ao leitor para entender o que está em jogo.
Atualmente, a seção recebe cerca de 20 textos por dia, o que mostra a dimensão de quanto o espaço é disputado.
Se é esperado que as pessoas queiram emplacar as suas pautas, o jornal tem obrigação de fazer uma boa triagem.
A grande vitrine na página 3 é um ativo importante da Folha. Perder um espaço tão nobre para algo mais próximo da propaganda seria uma pena.
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