Cronista, cr�tico de arte e poeta.
N�o custa nada imaginar que uma nova arte est� para nascer
Rubem Grillo | ||
Se eu tentasse entender o que hoje se chama de arte contempor�nea -que, ali�s, tem um n�mero indeterminado de defini��es-, teria que me ater a dois fatores fundamentais: a arte e a t�cnica.
Ali�s, esses s�o os fatores inevitavelmente presentes em todas as manifesta��es art�sticas, quaisquer que tenham sido os rumos que elas tenham tomado.
Para me fazer entender melhor, devo me referir a alguns movimentos altamente significantes da arte ocidental que marcaram �poca e definiram o futuro dessa arte.
Um dos exemplos do que digo foi a fase da arte constitu�da pela pintura mural, quando a express�o criativa se confundia com o pr�prio processo de elabora��o da superf�cie pintada, no muro.
Nessa etapa da pintura, tanto a mat�ria pict�rica quanto a cor nasciam no mesmo material que constitu�a a parede. Como o pr�prio nome est� dizendo, essa arte era pr�pria do muro, ela nascia no muro, da terra, dos detritos, do p� colorido, enfim, de tudo aquilo que constituiria a parede de uma capela, do mural de um convento. Uma coisa dependia da outra. N�o havia, consequentemente, a express�o pict�rica aut�noma, fora da parede.
Surgiu ent�o a tela, o que significou por si s� uma revolu��o da parte pict�rica que duraria por s�culos. Se voc� levar em conta que, para realizar a pintura mural, era necess�rio o muro, imagine o que significou a descoberta da pintura a �leo, que, por sua vez, possibilitou pintar sobre superf�cies aut�nomas, pintura que n�o dependia da parede, dando nascimento ao que se passou a chamar tela.
Como a tela n�o tem que estar inevitavelmente pendurada na parede, surgiu a possibilidade de o pintor realizar tantas telas quanto quisesse, onde lhe fosse permitido. Isso deu origem aos colecionadores de arte e aos museus, que passaram a exibir e a manter em seus acervos dezenas e at� mesmo centenas de obras pict�ricas. Como se n�o bastasse, esse fato fez nascer o mercado de arte, que deu um impulso extraordin�rio �s realiza��es pict�ricas.
Al�m do mais, a pintura a �leo possibilitou o aperfei�oamento t�cnico da pintura, emprestando-lhe o car�ter realista nunca obtido antes. N�o posso dizer se foi esse car�ter realista que deu origem � fotografia -a verdade, por�m, � que a capacidade que a fotografia possibilitava, n�o de imitar a imagem real, mas de capt�-la, determinou uma verdadeira revolu��o na arte da pintura. De certo modo � da� que nasce a pintura impressionista, que determinaria uma mudan�a radical na hist�ria da pintura.
A partir de ent�o, em vez de pretender copiar fielmente a realidade exterior, a pintura, por assim dizer, passa a invent�-la. De fato, uma paisagem de Monet n�o tem qualquer prop�sito de retratar o mundo objetivo tal como ele se apresenta � lente fotogr�fica, pelo contr�rio, os recursos pict�ricos passam a ser usados para exprimir a experi�ncia subjetiva no mundo real.
Nasce uma nova pintura que quer ser, ela mesma, uma express�o outra do mundo objetivo. N�o por acaso C�zanne afirmava que "a ma�� que eu pinto n�o � ma��, � pintura". Mas o impressionismo foi apenas o in�cio de uma transforma��o que mudou drasticamente a arte do s�culo 20. Aquela frase de C�zanne trazia nela embutida uma mudan�a radical que come�a com o cubismo de Picasso e Braque.
Como tudo o que estivesse no quadro se tornaria pintura -isto �, arte-, introduziram na tela tudo o que se poderia imaginar: envelope de carta, recorte de jornal, areia, arame e o que mais lhes desse na telha. Pouco depois, Marcel Duchamp afirmava: "Ser� arte tudo o que eu disser que � arte". E, ent�o, exp�s em Nova York um urinol produzido industrialmente assinado com o pseud�nimo de R.Mutt. Estava aberto o caminho para o vale-tudo. Por isso mesmo as Bienais internacionais exp�em tudo o que se possa imaginar. A conclus�o inevit�vel � que o que at� aqui se chamou de arte j� n�o o �.
Mas, assim como no Renascimento, surgiu uma nova linguagem art�stica que mudou a hist�ria da arte. Assim, n�o custa nada imaginar que, em fun��o das novas tecnologias, uma nova arte esteja para nascer.
NOTA DA EDI��O
Ferreira Gullar, morto aos 86, de pneumonia, no domingo (5), ditou esta �ltima coluna para a neta Celeste na cama do hospital.
Com pouco f�lego, teve de fazer pausas para descansar. "Quando eu perguntei se preferia terminar outro dia, ele disse que n�o, porque n�o sabia o que poderia acontecer", afirmou Celeste.
"Ele me falou uma vez: 'Eu adivinho as coisas'. Acredito que sim. Ent�o ficamos aguardando essa nova arte que nascer� da tecnologia. Qual ser�?"
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