Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Entendo o pov�o, mas � dif�cil explicar a atitude dos intelectuais de esquerda
Cada dia que passa me conven�o mais de que, sobretudo quando se trata de pol�tica, as pessoas, em geral, t�m dificuldade de aceitar a realidade se ela contraria suas convic��es.
Recentemente, durante um almo�o, ouvi, perplexo, afirma��es destitu�das de qualquer v�nculo efetivo com a realidade dos fatos. Minha perplexidade foi crescendo tanto que, ap�s tentar mostrar o desprop�sito do que afirmavam, fingi que necessitava ir ao banheiro e n�o voltei mais ao tal papo furado.
N�o resta d�vida de que, at� certo ponto, essa dificuldade de aceitar a realidade decorre do momento que estamos vivendo, tanto no Brasil como no mundo em geral.
Rubem Grillo | ||
Tem-se a impress�o de que atravessamos um per�odo de mudan�as radicais quando os valores, sejam ideol�gicos, econ�micos ou �ticos, entram em crise.
Isso parece ter a ver tanto com as utopias quanto com a implanta��o de novos meios de comunica��o. Estes tornaram o mundo menor ou, dizendo de outro modo, � como se todos os povos, nos diversos pontos do planeta, vivessem uma mesma atualidade. Sabemos, a todo instante, de tudo o que ocorre em qualquer regi�o, em qualquer pa�s, em qualquer cidade do planeta.
No caso de n�s, brasileiros, acresce o fato de que chegamos ao fim de uma fase que culminou no afastamento da presidente da Rep�blica e na implanta��o de um governo interino, agora permanente. Acresce o fato de que o governo que findou era a express�o de um regime populista, caracterizado por um ideologismo demag�gico, apoiado no setor pobre e carente da popula��o. Na verdade, vers�o prim�ria de um regime dito de esquerda em alian�a com o capitalismo corrupto, que ele fingia combater.
Pois bem: que o pov�o desinformado se deixe levar pelas benesses recebidas � compreens�vel. Dif�cil de explicar, por�m, � a atitude de intelectuais de esquerda que aceitam a burla como verdade.
E era isso que transparecia na tal conversa do encontro a que me referi no come�o desta cr�nica. Uma das pessoas presentes, dizendo-se contra Dilma Rousseff, tampouco admitia o governo Michel Temer. Quando a lembrei que o governo de Temer tinha apenas um m�s de exist�ncia e que herdara do anterior uma situa��o cr�tica com mais de 11 milh�es de desempregados, ela respondeu: "Na cidadezinha onde moro n�o h� desemprego. Duvido muito desses n�meros".
Lembrei-a que aqueles eram dados do IBGE, divulgados havia tr�s meses, quando ainda era Dilma quem presidia o pa�s, ela respondeu: "E o IBGE n�o podia estar infiltrado por advers�rios do governo?"
� que essa senhora se diz de esquerda e, embora n�o possa negar o estado cr�tico a que o PT conduziu o pa�s, usa de argumentos infundados para colocar em d�vida o fracasso petista. J� observaram que os que defendem esse populismo nunca tocam nos esc�ndalos revelados pela Lava Jato, no assalto � Petrobras, nas propinas dadas a funcion�rios e pol�ticos inclusive do PT? � que t�m dificuldade de aceitar a realidade dos fatos e admitir que est�o errados. E se algu�m faz refer�ncia a tais esc�ndalos, gritam: "Mas isso � mentira!" Ou seja, para quem n�o suporta a realidade, s� � verdade o que lhe conv�m.
Sa� dessa roda e fui me sentar com outro grupo, que falava de futebol, particularmente do Vasco, meu time do cora��o, que anda mal das pernas, pois acabara de ser desclassificado, ainda na primeira rodada da Copa do Brasil. Mas eis que chega um velho companheiro, simpatizante do PC do B, do finado PCB e muda o assunto da conversa, de futebol para a pol�cia. Foi ent�o que um dos presentes afirmou que o comunismo j� acabara, uma vez que a pr�pria China era hoje a segunda maior pot�ncia capitalista do mundo.
– Isso n�o, contestou o velho comuna. O comunismo est� mais vivo do que nunca. A China encarna a nova forma que o regime socialista ganhou.
– Sim –brinquei eu–, � o comunismo capitalista! Todos riram, menos o autor daquela tese surrealista.
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